MALANJE
O mês de Junho, em Angola, é dedicado às crianças. Diz assim um documento oficial: «As crianças, uma necessidade absoluta»; lamentavelmente não corresponde com o que estamos vivendo todos os dias. Nós, os cristãos, podemos cair no erro de Israel, no antigo Egipto, e calar a boca com um par de cebolas... e deixar mudo o Espírito Santo.
A Obra da Rua é chamada a ser profeta do quotidiano e dos gestos mais simples. «Eles fazem as compras, eles cozinham, eles servem». Sabem o dinheiro que entra e sabem o dinheiro que sai. Nada se lhes esconde. Muitos se escandalizam, outros se maravilham: «Eles não recebem ajudas estatais, subvenções... trabalham e vivem de acordo com o que têm e recebem da Obra». Umas semanas comemos melhor, outras nem tanto. Numas há propinas e noutras não. Conformam-se, não exigem. Muitos não acreditam nisso; outros colaboram.
Muitas pessoas se admiram como um sacerdote pode suportar mais de cem crianças e eu digo-lhes que o segredo está em que todos acreditamos que somos uma família. No começo eu chamo-lhes filhos e eles me chamam pai. Nossa Casa é uma Aldeia. Muitos duvidam, outros sentem-no.
Temos uma Assembleia todos os meses para fazer o balanço do mês. Todas as semanas temos reunião de chefes. Cada quinze dias, reunião de casas - participar e sentir-se protagonista da própria vida, aprender a tomar decisões e assumir as consequências; deixar que se cometam erros para poder melhorar. Muitos nos denunciam, outros aprendem connosco.
Aqui nada é perfeito, começando por mim. Partimos desse princípio e desde aí - construímos. Sabemos que estamos marcados pelas cicatrizes da rua, sempre que nos encontramos com ela, recordamos de onde viemos. Nunca nos envergonhamos de onde viemos, sim de não nos aceitarmos. Muitos olham para o outro lado, outros acham compaixão.
E depois deste discurso matinal, vou comer as minhas papas de milho e tomar um cafezinho no nosso refeitório com os meus rapazes. Depois, vou para o campo regar ou à cidade ou sabe-se lá onde Deus mandar. O mais importante não é o que vou fazer, sim onde estou. Assim é que dou muitas graças por me dedicarem este tempo - e o mais importante: cuidemos da nossa família.
Padre Rafael