MALANJE

Estava sentado no pátio da casa-Mãe quando me apresentaram dois rapazes que acabavam de entrar na Aldeia. Um devia ter uns 11 anos e o outro 9. Comecei por lhes perguntar quem os trouxe até à nossa Casa, esta é a história: «Nós íamos para Luanda andando pela linha de comboio, pois eu sou de Luanda (o comboio passa em frente da nossa Aldeia e Luanda está a 430 quilómetros). Depois, vimos da via a porta aberta e entramos porque tínhamos sede. Depois, levaram-nos ao refeitório para almoçar...» - Se quiserdes, podeis ficar -, respondi-lhes. Passados uns dias, desapareceram.

Não passou uma semana e apareceu somente o de 11 anos. Perguntei-lhe sobre o seu companheiro... «Não quer estar aqui, foi-se embora e eu fui para tentar convencê-lo a ficar, mas ele não quer. Eu já não quero andar pela rua, nem viver nessa casa em ruínas. As sapatilhas que me deram, levaram-nas umas raparigas que vivem ali em cima e me bateram. Além disso, se não tiver dinheiro, não me deixam entrar para dormir...»

Como parecia que tinha vontade de falar, perguntei-lhe porque vivia na rua, ele continuou: «Eu vivo em Luanda com minha mãe, meu padrasto e meus irmãos. Há uns meses o meu padrasto disse-me que vinha a Malanje fazer uns negócios, trouxe-me com ele e abandonou-me à porta do centro comercial. Depois, encontrei-me com o Zé, o outro rapaz que vinha comigo, que é daqui. Levou-me ao mercado de Chaguande e limpávamos os pratos das cozinheiras, para termos algo de comer, vendíamos sacos de compras para arranjar algum kumbu (dinheiro). Depois disse-lhe que tinha família em Luanda e alguém nos disse que esta linha de comboio vai directa de Malanje a Luanda...» E essa ferida no pé, como a fizeste, perguntei: «Foi no tubo de escape de uma mota que eu estava cuidando...» Passei a perguntar o seu nome. Nelito, respondeu. Continuei: - Olha Nelito, com esse pé não podes viajar, se quiseres podes ficar até que se cure e depois, se quiseres, podes ir embora - Assentiu com a cabeça.

Agora temos os dias contados para curar a ferida do pé e convencê-lo que aqui tem um lugar, comida, tecto, escola e o mais difícil de encontrar - amor.

Padre Rafael