ERA O ANO I, N.º 11
Um incidente
O nosso Durães não é nada pêco. É um dos vendedores de O Gaiato. Vende no Bonfim, de onde é natural, e do que lhe sobeja, faz praça no coração da cidade.
De uma vez, estava ele em pleno exercício das suas funções, no Largo da Trindade, gritando o compre, meu senhor, que é para ajudar o P.e Américo, quando alguém que passa, ouve e responde: - os padres são todos uns ladrões. O rapaz olha, mede e exclama:
— Ladrão é você.
— Olha que eu sou polícia.
—Mostre cá o seu cartão.
O homem não era polícia nem tinha cartão, nem sabia que o Durães fora general e comandava um grupo de garotos em S. Lázaro, conhecendo pelo nome e pelo cheiro, todos os polícias da cidade. Não sabia.
O Durães não desarma e dá atrás do homenzinho, até que este se enfia numa loja de comes e bebes ali ao pé! Mas nem assim o larga; continua a a gritar: Ó seu polícia, ladrão é você; e foi justamente neste gritar, que um nosso amigo do Porto, que me contou depois a façanha, o surpreendeu.
— Ó senhor F.; vamos prender aquele gajo, que diz que o P.e Américo é ladrão. Ladrão é ele!
Não prenderam, e tudo acabou a bem.
Ora este simples incidente, vai ser lição. Quando comecei a caça ao garoto das ruas, ouvi da própria boca dos pequenitos, muitas vezes, o que o homem disse agora ao Durães. Ainda hoje, ao passar em certos becos e vielas de Coimbra, oiço e sinto o que me diziam e me faziam — tal a dor que então experimentava! Dez anos de luta operaram a conquista e trouxeram a recompensa. Os garotos da rua hoje são todos meus. Mais; entrando um sacerdote nas nossas casas, todos correm a pedir-lhe a bênção, todos.
Per aspera ad astra.
Pai Américo