
EQUÍVOCOS
Uma Obra que se orienta por métodos profundamente humanos, sem espartilhos da moda ou dos costumes, nem de hábitos instalados e comummente aceites, será obrigatoriamente alvo de equívocos. Este tem sido o mote na vida da Obra da Rua ao longo da sua existência de 81 anos cumpridos, mais aqueles que também foram vividos mas não contados.
Sem ficarmos presos à ordem cronológica da vida e dos acontecimentos, procurando no entanto segui-la, vamos percorrer alguns dos que estão factualizados nos textos que Pai Américo nos deixou, abundantemente.
Quando em Maio de trinta e cinco Pai Américo se encontrou com o miúdo que lhe despoletou, pela sua situação, o ímpeto revolucionário para salvar a vida àqueles seres, estava este acontecimento marcado por um contexto de equívoco. Levado pelo rapaz junto do pai, reconheceu o homem que jazia à sua frente num catre; contavam-se-lhe os ossos. Este homem era aquele tipógrafo que o assobiava quando passava às portas da Imprensa da Universidade de Coimbra, local de trabalho do dito. «O padre é o grande mal do mundo... corrê-lo da sociedade é um grande benefício», tais eram os epítetos com que ele e os companheiros o brindavam ao passar.
Um outro tipógrafo tivera, como aquele, a sorte de ver desfeito o seu equívoco, antes de morrer. À porta de casa, recebera Pai Américo com «uma pedra na mão: Enganou-se, padre; aqui não há dinheiro». Pai Américo não desistiu: «O padre, corrido ontem, volta no dia seguinte com mimos e tabaco; arrisca duas palavras e some-se nos degraus - para vencer.» O homem, «de idade em flor», morreu pouco tempo depois «com sangue pela boca», deixando tudo a Pai Américo: «um filho mai-la viúva».
Estes equívocos, desfeitos com as evidências da vida, tiveram a sua origem nos Pobres de que Pai Américo cuidou. Ideias feitas, não correspondentes a realidades concretas, são causa de injustiças que só a fome e sede de justiça pode desmentir. Este o caminho de Pai Américo, do revolucionário pacífico. (vd. Obra da Rua, pp. 9-13).
Padre Júlio