DOUTRINA

Tenho aqui uma carta que me chama vaidoso.

É a sacristia a falar.

É a sacristia a defender o seu grupinho.

A respeito dos Barredos, tenho aqui uma carta que me chama vaidoso: «Cuida você que não há mais quem visite pobres ou que eles não eram visitados antes de si! Você é todo vaidade». Como esta, chegam outras de vez em quando; algumas pelo nome, são, até, de elementos chamados da nossa melhor sociedade. É a sacristia a falar. É a sacristia a defender o seu grupinho. Eu cá leio. Tomo conhecimento. Boto no cesto. «Moléstia» vem e apanha os selos e assim se queima vaidade.

Isto são excepções. Noventa e nove por cento dos nossos leitores morrem pelas notícias do Barredo e não me chamam nomes. Fazem delas a sua meditação. Por elas amam o seu semelhante. E por elas enriquecem, repartindo os seus dons. A suposta vaidade do visitador de Pobres em nada prejudica estes dons de Deus.

Desta vez fui sozinho e por caminhos diferentes; a área dos Barredos estende-se por muitas léguas, infelizmente. Numa toca, fui dar com uma criancinha de dois anos e não contava que para ela se abrisse tão depressa a porta do Hospital Maria Pia. Bendito seja o Senhor Deus de Israel! Louvemos outra vez o Senhor. O pai morreu o ano passado. Bendito seja Deus em todas as Suas obras.

Em uma toca, fui dar com um Doente, o qual os vizinhos tinham colocado à porta da rua, a ver se ele angariava esmolas. Tinham-no recolhido na maré em que eu cheguei. Arranjara dezassete tostões e estava com eles na mão a fazer contas do que havia de comprar para sua primeira refeição daquele dia; o sol declinava. O calor de Julho e as moscas fustigavam. Eu trazia comigo uma caixa de doces de Santarém, que nos Clérigos me deram. Balbuciei ao Pobre a oferta, mas fui dizendo que não; doces de ovos num estômago doente, faminto... O Pobre não me deixa prosseguir e arrebata a caixa das minhas mãos: «Deixe cá ver; eu como de tudo». Era a voz da fome. Não tive coragem e fiz ali aquele mal, por bem. Que o nosso bom Deus perdoe esta minha fraqueza.

Dali, segui ao Lar de S. João da Madeira. Tinha posto ir lá jantar com os rapazes e fui. O senhor Paulo nosso vizinho, ao ver-me entrar mandou um regalo de duas garrafas de vinho branco. Que bom!

Inácio, o Chefe, falou-me da sua Conferência recém-nascida e do número de Pobres que tinham e das visitas que lhes fazia e das somas que distribuíam. E que da venda os rapazes traziam todas as quinzenas nomes de novos subscritores. Ora disto é que eu gosto. Enquanto os rapazes da Obra da Rua se interessarem real e eficazmente pela sorte dos Pobres, ninguém tenha medo das suas quedas. Deus levanta-os.

PAI AMÉRICO

O Barredo, 116-118