DOUTRINA

«Deus vê tudo»

Quando da nossa visita ao Alentejo, ao passar pela vila de Reguengos, foi-nos pedido que fôssemos ver a cantina escolar — e eu disse que não. Nova insistência e eu resisto. No dia seguinte, à hora de largar, mais um apertão. Fui. Quanto teria perdido, se o não tivesse feito!

As escolas são um nadinha retiradas do centro, num recinto de arvoredo com ruas ajardinadas. Ao meio está o edifício da cantina. Logo à entrada sente-se a beleza das coisas no seu lugar. Cozinha, copa, refeitório dizem bem e cheiram a abundância. São nove horas. Crianças servem a crianças taças de leite quente. Ao meio-dia tomam a comer na mesma ordem e isto todos os dias.

Ao que apurei naqueles momentos, tudo isto é obra dos professores e de uma senhora com o seu marido, que propuseram dar-se sem medida nem recompensa dos habitantes da terra para que a mercê seja inteiramente de Deus.

Tinha visto, sentido e gozado. Mesmo à horinha e já com Avelino ao volante, uma professora toma-me por um braço: «Venha ver o melhor». Em uma dependência da casa existe o depósito de artigos escolares. Dentro de um armário aberto estão as coisas com seus preços: borrachas, canetas, cadernos, tudo. O rapaz da escola vai, escolhe, deixa o dinheiro e retira-se. Ninguém a servi-lo, apenas esta lembrança, em letras gordas: «Deus vê tudo». Sim. Valeu a pena ter ido. Vi o melhor.

Por muitos títulos temos de apreciar esta obra eminentemente educativa. Em primeiro lugar a idade — rapazes da escola. Segundo lugar o jardim, as flores, o asseio, muita luz. Depois a taça de leite quente e muito docinho. Vem ainda o bafo dos professores e a caridade de quem ali põe a mesa. E por último o melhor: «Deus vê tudo».

Tivéssemos isto sem aquilo, era o medo. Era temendo que o rapaz procedia. Mas como tudo ali está no seu lugar, é amando que o faz.

PAI AMÉRICO, Notas da Quinzena, 1.ª ed., 1986, pg 352-353