
DOUTRINA
O nosso pecado brada ao Céu...
Não sei se as mais gazetas do dia traziam a notícia. O Comércio do Porto, sim. Arrumado a um canto, letra miudinha, vinha lá a dizer:
«Ontem, numa das suas habituais batidas aos terrenos do Parque Eduardo VII, a polícia foi encontrar um buraco onde habitavam, num estado de miséria e doença quase inacreditável, dois homens, os quais, conduzidos ao Hospital de S. José, ficaram ali internados em estado melindroso. Um deles vivia no referido buraco há três meses.»
Não devia ser O Gaiato, o quinzenalzeco da Obra da Rua. Devia ser mas é a grande Imprensa. A mentora. A condutora. Sem fazer política nem acusar ninguém, os jornais de Portugal deviam pôr na primeira página, muito à flor, e oferecer à meditação dos seus leitores, estas tristes notícias que se passam em nossa casa, com a nossa gente. Porque andamos nós tão fugidos uns dos outros? Uns metidos nos buracos, outros instalados em suas casas! Somos nós quem foge deles ou são eles que fogem de nós?
Que juízo terá feito dos homens aquele homem que morou num buraco, em Lisboa, tuberculoso, como afirma a notícia? Podemos ficar com a satisfação de que ele nos perdoa!?
Será ele capaz disso? Sabe ele a doutrina alta do perdão? Poderia ele escutá-la no buraco, doente e com fome? Quem vai às tocas desta gente? Foi lá a polícia em batida. Iam à cata de criminosos e encontraram um crime… nosso!
Não são as queixas destes nem doutros como eles. Eles não se queixam. Não têm força. Gemem! É o nosso pecado que brada ao Céu e espalha a desordem na terra. Não seria assim se Deus não fosse a Justiça. Nem Ele seria a Justiça se não fosse o Amor. Tive sempre muito medo às tocas e aos buracos quando o homem faz deles a sua morada por necessidade. Na idade das cavernas, estava muito certo. Todos viviam em cavernas. Mas agora, há a Urbanização.
O Mestre ensinou esta doutrina, servindo-Se, até, de figuras, para ser melhor compreendido. O negócio é sério. Há que ser realista. O Mestre foi realista. Ele foi buscar o senhor do palácio, vestido de púrpura, e o homem das feridas a deixar-se lamber pelos cães — no Parque!
E com parábolas pregou a Vida Eterna. Eu acredito na Vida Eterna! Eu sou pregador da Vida Eterna.
PAI AMÉRICO, Notas da Quinzena, pg. 160-162