DOUTRINA

Quem se arroga o título de educador, não é, por isso mesmo, um educador.

Foi na derradeira semana de Setembro de 1946 que resolvi retirar-me da Aldeia em gozo de merecidas férias, como diriam os amigos da Obra da Rua se tivessem de falar delas. Era em uma toca para esse fim cedida aonde passei dias regalados.

A actual lotação da Casa encontrava-se excedida por alguns números. Os professores ausentes. A suprema vigilância foi dada a... a um cego de nascença, mestre de canto coral! Era tardinha quando me despedi. Pois nessa mesma noite, o Carlos Inácio, em acto de comunidade, tomou a palavra para dizer aos companheiros, espontâneamente, esta coisa assombrosa: «Devemos portar-nos melhor na ausência de fulano (eu) do que na presença, para ele (eu) ter férias tranquilas!» Este rapaz tem catorze anos de idade! Pelos frutos é que se conhece a árvore. Não pode uma árvore sã dar frutos maus. A vida decorreu com aqueles acidentes normais e necessários em uma casa de cento e trinta e cinco almas. Visitantes de toda a hora observavam, maravilhados, a ordem mais desorganizada do Império português. Esteve um grupo do corpo docente de um dos principais institutos de educação da nossa terra. Viram com os seus olhos. Gostei de saber da presença deles. Demoraram duas grandes horas. O «Zé da lenha» indicou.

A verdade vê-se; não se mostra. Os que ateimam em não ver, sofrem por isso, sim, mas não a podem diminuir.

Tal na ausência qual na presença, os Farrapões de outrora vivem em vida plena, no domínio de si mesmos, banhados de sol e de alegria.

- De onde vens?, perguntava o grupo dos docentes aos mais pequeninos que acudiam ao toque da merenda.

- De trabalhar!

Que o mundo responsável pela educação das juventudes leia com muita humildade esta «Nota da Quinzena». Basta que a leia com tanta como aquela com que é escrita. Quem se arroga o título de educador, não é, por isso mesmo, um educador.

Aqui, há tempos, alguém desancou-me pelos métodos da Casa do Gaiato e chamava-se a si mesmo educador! Uma pintinha de humildade levá-lo-ia num instante a compreender que não educa quem não for pai. Que preparação tenho eu? Aonde é que estudei? Que tenho eu lido? Se não amas a criança, aonde o que lês? Que é do que estudas? Para que presta o método? De que te serve o título de educador? «Eu cá sou um educador», dizia-me, na carta, o homenzinho que me deu a ripada! Tenho pena dele!

Vamos ao Evangelho. Como é que o Mestre educava os do Seu colégio? Como eles não haviam de ser rudes e difíceis, ao que se vê nos textos! Que fazia Ele? Mandava-os sentar ao pé de si, muito pertinho, e dizia-lhes que estivessem à-vontade. Nas ofensas pessoais («Pode sair alguma coisa de jeito de Nazaré?»), nas ambições desmarcadas («Dá-me a tua direita»), nos desejos de vingança («Manda o fogo de Gomorra sobre esta gente») - em todas estas deformações da gente da rua, o Mestre curava cada um de sua maneira, mas a todos com o mesmo remédio. Qual? Amava-os. Eis.

Mandava-os comer. Oh ciência! Quando tenho alguma observação importante a fazer a um dos nossos, primeiro convido-o a jantar comigo, pertinho de mim, à minha direita; e depois falo. Ele escuta e cumpre, a menos que seja um perverso.

Pois como é que se selam os grandes tratados nacionais e internacionais senão com um banquetezinho?!

PAI AMÉRICO, Notas da Quinzena, pg. 110-112.