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Tal a força da Criança

Eu nunca vi, mas parece que é como tenho ouvido: nas igrejas paroquiais das grandes cidades católicas, em França, aparece a caixa das Colónias e desta, retiram os Curas o dinheiro suficiente, que ali cai durante o ano, para organizar Colónias de Férias.

É uma obra da paróquia sustentada pelos paroquianos, sem enfadas nem discussões. Não se compreende, até, naquelas cidades, uma paróquia organizada sem o respectivo serviço de Colónias de campo ou de mar para as crianças pobres.

A criança tem um poder formidável de atracção. Criança pobre, muito mais. Criança abandonada - isso nem se fala! Está no coração de toda gente. Não há ninguém que se não vergue. Aqui há tempos, apareceu-nos na aldeia um pequenino viajante, andrajoso. Como fosse suspeito de tinha, mandou-se ao Porto, naquele mesmo traje, saber a certeza. Pois ali, às portas do Hospital de Santo António, foi notado um homem, repelente à vista, tão andrajoso como o miúdo, a levá-lo a uma tasca e dar-lhe de comer: anda rapaz que tens cara de fome! O farrapão a dar de comer ao farrapão! Não há ninguém que se não curve!

É fonte de evangelizar, sinal de verdadeira Religião. Haec est vera religio.

Existe uma vila, algures, aonde o padre era execrando, fosse ele quem fosse. É padre? Fora! O maior enxovalho da minha vida, sofri-o ali, por trazer batina.

Foi na praça pública. A multidão uivava: aí vem ele; atira! O ele era eu. Pois muito bem. O Prelado da Diocese nomeou um pároco, e que fez ele? Tomou umas dúzias das crianças mais necessitadas da sua paróquia, alugou uma casa à beira-mar, fez com elas uma colónia de férias e pronto. Já se não uiva. O padre transita livremente.

O serviço de colónias continua. Os meios não faltam. O pároco goza. O povo dá palmas. Os até ali incrédulos começam agora a duvidar e ajudam as despesas. Tal a força da Criança!

Era de uma vez nas ruas de uma cidade, a horas mortas. Ninguém viu o que ali me aconteceu por andar de batina e dizer missa no altar. Semblantes, atitudes, palavras. Oh! negrume daquela hora e daquele lugar; nunca mais te esquecerei!

Andaram os tempos. A criança das ruas fala. Das ruas daquela cidade. Da mesma rua do negrume. Fala. Relata. Diz tudo como é e como foi. Tanto bastou para mudar a direcção dos ventos! Os assanhados, daquele dia, são agora cordeiros! A criança das ruas vence. Impera. Transforma. Não há ninguém que lhe resista. (...)

É pela força dela que são fortes as obras que as esmeram. E quando as ditas obras de assistência olham para cada criança com o olhar de Jesus, de humanas que são, passam logo a divinas. É aqui o nervo. É neste sentido e por esta razão que a multidão dos transviados começa a fazer perguntas e a regressar à Mãe.

Com certeza Deus existe, dizia-me uma vez, um transviado. E logo dá a razão: Pelo bem que se faz aos filhos dos Pobres. Quantos homens não começam a sofrer de inquietação ao observarem no mundo o Evangelho aplicado?! Até ali, tinham resolvido o seu problema a seu modo: tudo acaba nos cemitérios. Agora, não: Com certeza Deus existe. E que outra fórmula há, na terra, de cada homem resolver o seu problema e as sociedades os seus, que outra, digo, senão somente o Evangelho aplicado?

PAI AMÉRICO, O Gaiato, n 63, 27-Julho-1946, p 1