
DOUTRINA
É costume receber-se cartas de homens de bem e de teres onde se nos pede licença para que seus filhos passem um ou dois meses de férias na nossa família, «pagando nós generosamente, para auxiliar».
Outros, aflitos por descobrirem tendências nos filhos, apelam para a nossa Casa como medida de redenção; e oferecem quantias avultadas. A uns e a outros agradecemos, indo para os do segundo caso, a nossa maior simpatia. Oh! corações retalhados, desgosto de toda a hora! Um filho querido com o sangue derrancado!
Nós, porém, temos de estabelecer doutrina e dizer que não. A Obra da Rua não é minha; é dos da rua. Obra de Rapazes, para os Rapazes, está escrito na bandeira. Se lhe desse outro destino, seria o seu maior inimigo.
Os próprios senhores que me pedem, hão-de compreender. Pode muito bem acontecer que outros achassem nisto uma fonte de receita e viessem a receber o menino rico para ajudar as despesas do Farrapão. Pode ser. Ele há obras aonde assim se procede. É um negócio. Ora eu quero fechar desde já este caminho aos meus legítimos sucessores. Desvirtuar a Obra é arruinar. A nossa verdadeira fonte de receita é a justiça. Esta supõe a ordem. A ordem é pôr cada um no seu lugar. Dentro da Obra da Rua, o Farrapão é o primeiro. Isto basta para que o pão nunca nos falte. Mais: É só por este amor que as Obras de Caridade estão sempre no rescaldo. Não há ventos que as apaguem. Que os meus sucessores leiam, compreendam e não caiam na mediocridade da fontezinha de receita. Dói-me tanto ir por esse mundo abaixo e saber de Obras fundadas para os Pobres, com legados instituídos para o bem dos Pobres e, agora, metem-se lá senhores pintados de caridade a desfazer, cuidando que fazem. Dói-me tanto! O Pobre é o primeiro, nas obras fundadas para ele. O Catraio é o primeiro na Obra dele, que é a Obra da Rua. Quem assim não lê, é analfabeto.
PAI AMÉRICO, Notas da Quinzena, pp 84-85