DOUTRINA
Sinceridade
Nós podíamos compor um número inteiro d'O Gaiato com aquelas cartas que normalmente se recebem durante a quinzena; podíamos. E haviam de fazer bem às almas, pelo alimento adequado que vem em suas regras. Porém, como o nosso jornal é muito pequenino e são muito grandes as coisas que os redactores têm para dizer, só de longe a longe aqui aparece alguma:
«Pedia o favor de ler esta carta até ao fim, porque não é de elogios mas só de agradecimentos.
Não o conheço pessoalmente, mas admiro a Obra da Rua e apaixonei-me por ela, desde a hora em que em Coimbra, onde estava de passagem, ouvi dizer a um garoto da rua que chorava de gratidão: 'Coitadinho do senhor Padre Américo! Fez-se pobre por nossa causa!'
Deu-me também vontade de chorar. Deve ter sido muito sincera e muito verdadeira uma tal doação, para assim arrancar lágrimas de gratidão.
Pois também eu, hoje, queria agradecer o bem que V. me fez. Li todos os volumes do Pão dos Pobres e leio sempre O Gaiato. Sempre que abro um livro seu, parece-me ouvir a voz de Jesus. É o Espírito Santo que fala à minha alma. É como uma leitura do Evangelho.
Muitas frases abrem-me horizontes novos e gosto de ler devagar, a saborear a voz do Mestre. Quanto bem Jesus me tem feito com esta leitura! É bem certo que o Pobre é uma segunda Eucaristia que esconde Jesus.
Já por várias vezes agradeci a Deus, na Sagrada Comunhão, a graça de nos ter dado a si. Sei que V., no fim de contas, nada é e nada vale e que não passa de um reles instrumento nas mãos do Senhor; mas, nem por isso deixo de agradecer, porque é um instrumento livre e tem o mérito altíssimo da boa vontade e de um pouco de esforço.
Obrigado, meu Padre. Gostaria de lhe beijar as mãos, de o ver e ouvir. Não posso. Não tenho dinheiro para uma viagem a Paço de Sousa. Ofereço este sacrifício pelo seu Apostolado.
Era isto o que desejava dizer. Peço perdão do tempo roubado, mas vou dentro em breve sair de Portugal e não queria ir embora sem agradecer.
Não assino esta carta, porque o meu nome nada vale e nada lhe diria e, também, porque quero este agradecimento puro e escondido. No Céu saberá quem a escreveu.
Meu Padre, reze por mim, que creio na Comunhão dos Santos.
Rezarei também para que V. nos dê sempre o exemplo duma caridade ardente e duma humildade profunda.
Um Cristão».
Quero sublinhar nesta carta aquele «deve ter sido muito sincera e muito verdadeira uma tal doação, para assim arrancar lágrimas de gratidão».
Foi, sim, meu senhor. Esta sinceridade não pode ser rasgada para lançar no cesto dos papéis velhos. São injúrias tamanhas, meu senhor, que só por Seu amor se podem sofrer.
PAI AMÉRICO, Correspondência dos Leitores, 11-13