DOUTRINA
Os teólogos que não aprendem aqui, não sabem como se ama
Quase nunca vou só; há sempre um rapaz de folga, no Lar do Porto, que me acompanha. Alguns deles são vicentinos. Gosto de levar um.
Zé Eduardo escreve-me de Coimbra, a pedir se pode dar a um estudante capa e batina das que lhe sobram: «Ele é muito necessitado». Um dos nossos que já ganha, não esteve com meias medidas e emprestou 200$00 a um seu colega de escola. Um outro que nós cá temos, costuma aparecer amanhã sem o fato que hoje lhe dou. Dou volta pela freguesia e encontro-o no corpo de um Pobre!
Gosto sempre de levar um.
Desta vez, topei no Porto o Carlos Inácio que tinha vindo de Coimbra, aonde estuda, ao banquete do «Boavista». Um convidado de honra. Ele foi sempre um danado pelo seu clube, sempre. Tomei-o por um braço e descemos o Mouzinho. Ao segundo casebre, já o rapaz queria armar um comício no largo da Ribeira: «Mas então a Câmara não sabe disto?!». Mandei-o meter a espada na bainha.
Era à tardinha. Estávamos agora no terceiro casebre. Carlos Inácio senta-se num trepo. A Pobre estava enrodilhada numa enxerga e gemia. Fiz pausa. Havia silêncio. Um gato branco desce do sótão. A mulher estava em horas de muita dor: «Tenho um bando de filhinhos». Isto disse ela, ao entrar um deles pela porta dentro, com a cara muito suja. «O meu homem anda lá...» Umas vezes são elas, outras vezes são eles que andam lá... É o Barredo. Os Barredos são isto. Casa sim casa não, é lupanar. De vez em quando faz-se «limpeza», os jornais dizem dela e tudo volta ao mesmo ser. As Câmaras sabem. Os Governos sabem. Nós sabemos.
O pequenino olhava em redor e pedia pão à mãe. Ela aproxima-o e dá-lhe um beijo. «Tenho um bando de filhinhos», tornou a dizer.
A Doente rezava quando eu entrei. Levanto-me para sair. Tínhamos outros casebres. Digo-lhe que as minhas visitas não podem ser regulares; que nem sempre poderei dar quantia certa. Ela retira um lenço que tinha sobre os olhos. Toma forças que antes lhe não via. Inunda-se de lágrimas e declara que eu hei-de ir vê-la sempre muitas vezes e dar o que for preciso!: «O senhor precisa de vir aqui. O senhor precisa de ser muito ajudado de Deus». Isto é teologia. Os teólogos que não aprendem aqui, não sabem como se ama.
Ela rezava quando eu entrei...!
Pai Américo