DOUTRINA

Quando a mocidade se apaixona por um ideal, 

não há nada que possa conter os seus ímpetos.

Foi num domingo, 4 de Junho de 1944, em Miranda do Corvo.

Um grupo de Gaiatos tinha ido a passeio, pelos campos fora, até à serra da Lousã. De regresso, um deles, ao passar por um velho estábulo, ouviu gemer. Levado pela curiosidade, espreitou pelas fendas dum velho portão e viu que os gemidos saíam dum vulto deitado numa manjedoira. Chamou pelos companheiros que entraram de roldão pelo estábulo dentro.

Era um velhinho que, entre suspiros, lhes disse que tinha fome e muitas dores numa perna e que os filhos, de pobres que também eram, não lhe podiam valer; que costumava andar de porta em porta, mas que agora as pernas já não aguentavam.

Retirou uma serapilheira com que estava envolvido e mostrou um trapo imundo ensopado em pus, a cobrir uma chaga enorme. Diz o cronista daquele tempo que a ferida varava a perna de lado a lado e que, como penso, o velhinho usava folhas de videira.

Aquela ferida abriu outra ferida no coração dos rapazes.

Logo uns poucos se propuseram vir todos os dias trazer um caldito. E assim fizeram. No mesmo cesto vinham também remédios e ligaduras. Não faltavam palavras de carinho.

Desta maneira nasceu a primeira Conferência.

Com um Natal tão parecido com o de Jesus, a Conferência não podia ter outra vida que não fosse a de Cristo: passar fazendo o bem.

A Conferência de Miranda do Corvo progrediu e quando alguns rapazes dali saíram para o Lar do Porto, levaram com eles a chama que na alma se lhes tinha acendido.

Do Porto transitou para Paço de Sousa. E, de lá e de Miranda do Corvo... Tão vivo ficou nos rapazes o amor pelos Pobres de Miranda do Corvo, que nenhum deles lá volta sem visitar o «Pobre das Meãs, a tia Maria tecedeira do Carapinhal e o Pobre da Estação».

(...) Não temos outro meio para humanizar os costumes senão fazendo o bem. Os rapazes compreenderam-no e por isso fazem o mais que podem. A sua persistência é o espanto de muitos.

Ainda há pouco se meteram todos no nosso carro e foram a Alhandra tomar parte no Conselho Particular. Um deles falou.

Ninguém cabe em si de espanto!

Quando a Mocidade se apaixona por um ideal, não há nada que possa conter os seus ímpetos. Não sabemos doutro ideal mais alto do que este: amor de Deus e do Próximo.

A lição que eles dão é para todos. Se rapazes da rua conseguem fazer tanto bem, porque o não hão-de fazer todos os homens de boa vontade?

À lição de amor do Próximo temos de juntar o exemplo de abnegação e até de audácia.

Vários se têm privado do pão e até de refeições inteiras, para as distribuir pelos Pobres. Um deles obteve o perdão duma dívida de dois contos que uma Pobre tinha às costas pela renda da casa. E já há muito que está na aspiração de todos construir um bairro para os seus Pobres.

Ao Presépio correram reis e pastores. Todos deixaram marcada a sua passagem. Muitos têm vindo também ao encontro desta nova estrela. Ninguém se arrependeu de a ter seguido.

in O Barredo, pp 96-100

Pai Américo