DOUTRINA

Muitos profetas quiseram ver Jesus e morreram sem o terem visto… Nós podemos ver Jesus...

Eu não me canso de recomendar aos meus Padres que, se ainda não têm, peçam a Deus o jeito, a queda, o dom de visitar os Pobres. Que tenham dor; que sejam por eles. Que jamais os troquem por outras riquezas, que eles, os Pobres, são a verdadeira riqueza da nossa Obra. Muitos profetas quiseram ver Jesus e morreram sem o ter visto. Nós somos mais do que esses profetas. Nós podemos ver Jesus. Nós podemos curar as feridas; podemos dar pão; podemos vestir; podemos consolar; podemos ouvir a história dos trabalhos de Jesus e sofrer com Ele. Podemos, sim senhor. Temos os Pobres no mundo!...

Neste espírito, fui eu por aí acima a casa dum Pobre e levei o «Moléstias» na minha companhia, munido dos preciosos para dar uma injecção. Era de tarde. Flores e margaridas do campo orlam o caminho. Levamos açúcar dentro duma saquita. Pastam ovelhas e vacas à solta. Ouvem-se os primeiros gorjeios da Primavera.

Topámos uma velhinha vestida de alegria, que nos declarou na sua linguagem pitoresca ter 99 anos de idade: «Pró cento minga um». Ela é um reportório. Tivesse eu tempo e podia escutar um século de história do Povo destas redondezas. O pequeno que eu levara estava ali ao pé de mim. A velhinha implora; pede que eu seja todo por todas as crianças sem pai. Com 99 anos feitos, esta mulher do Povo tem alma juvenil.

Saídos que fomos da beira dela e antes de entrar na casa da nossa Doente, passámos por outro lugar, a ver se haviam recebido dois feixes de lenha, que a alguém tinham sido enviados. Receberam, sim senhor. Estavam ali à minha vista. Era outra velhinha vestida de alegria. Que «os lavradores vão dar os montes à Guarda», diz ela; e por isso mal lhes vai: «que havemos nós de queimar?». Qualquer um esperaria um protesto dos lábios desta mulher; outros, por bem menos, revoltam-se. Ela não. «Eles têm razão. Os lavradores têm razão. O Povo vai e corta pelo pé. O Povo não sabe que tem de restituir. Corta-se uma árvore, ela deixa de dar frutos ò seu dono e tudo isto é uma restituição». E pregou e pregou e pregou. Outra alma juvenil. Mais uma herdeira do Céu. Esta mulher do Povo nunca desperdiçou o Sacrifício do Filho de Deus.

Caía a tarde quando entrámos na casa da Doente. Tudo ali são dores. Dor de quem fala, dor de quem escuta. A dor é mestra. Ai dos homens que nunca sofreram! Estivemos ali algum tempo, tendo regressado a Casa pelo caminho mais perto, com medo da noite. À Casa do Gaiato. À Aldeia do Rapazes. A irradiação quase universal da sua luz vem destas visitas aos Pobres.

Pai Américo, O Barredo, p 37-40