DA NOSSA VIDA
Aflições
Era uma mulher que, encorajada por uma sua amiga, vinha pedir ajuda.
- Senhor padre, ela anda com más ideias!...
Olhei a visada, no intuito de ver se a conhecia, visto que conhecia a cireneia, a cuja família atendêramos já no passado.
Inteirado do problema que a afligia, cinco meses em falta ao banco para as mensalidades da casa, o que provocara penhora já em andamento, tomei nota da morada para a visitar no dia seguinte, ao mesmo tempo que lhe pedia para ir junto do banco credor buscar documento comprovativo da dívida.
A morada em causa acossou-me a memória, pelo que fui às centenas de registos que me complementam a minha insuficiente memória, verificar se era ou não caso de uma nova família que a nós recorria. O alerta inconsciente tinha fundamento, pois tratava-se de uma família que há cinco anos tivera o mesmo problema, o qual ajudáramos a sanar.
A visita fi-la no dia seguinte como prometido, na mesma modesta mas asseada casa onde anos atrás estivera, e falamos da situação passada e dos acontecimentos que provocaram a de agora. O marido continua no mesmo trabalho, numa pedreira fora da localidade, fazendo paralelos para pavimentar ruas, e ela, por questões de saúde, fora obrigada a deixar de trabalhar num restaurante onde angariava o necessário complemento para o sustento da família, completada com os seus três filhos.
Marcamos novo encontro para o fim-de-semana seguinte, já com a presença do seu marido.
Tudo concorria para que voltássemos a ajudá-los. À paróquia não queriam recorrer para que não viesse a público a sua situação, e havia esperança firmada de que ela ia regressar ao seu anterior trabalho e também um dos filhos começaria a acompanhar o pai no trabalho das pedreiras. Restava saber se os credores voltariam atrás com a penhora, que o marido já havia assinado.
Logo que lhes deram a resposta, fomos ao saco onde vamos guardando as ofertas que nos vais fazendo chegar, e fizemos a transferência para a sua conta, com que cobrimos a dívida, dando assim alívio e novo alento a esta família que trabalha e se esforça por uma vida digna, ao contrário de muitas que, incentivados por certas políticas, entregam-se à ociosidade, levando a vida por caminhos de perfeita inutilidade.
Mais uma vez fica comprovada a entreajuda atenta e eficaz dos Pobres entre si, sublinhando as palavras de Pai Américo que transcrevemos n'O GAIATO último: «Ai dos Pobres, se não fossem os Pobres!».
Padre Júlio