
DA NOSSA VIDA
Abandono
«A Obra da Rua é o amparo da criança abandonada»; eis de forma lapidar e resumida a causa da existência da Obra que Pai Américo levantou para os rapazes em situação de abandono. Nesse tempo como neste, estamos perante a criança necessitada de ser acolhida numa família que cumpra o que a sua de origem não cumpriu. Quando a família não cumpre, a criança cai na situação de abandonada ainda que tenha algum familiar por perto.
Pai Américo não podia deixar de ser uma pessoa avançada para o seu tempo. É a sua capacidade de leitura da vida que o põe adiante dos outros. Capacidade que lhe não vem por natureza, nem por esforço intelectual, mas pelo Espírito. O Espírito é que dá as inspirações, o entendimento e a capacidade de ver e de fazer.
Pai Américo, e nós também, pensava e desejava que as crianças estivessem todas no seu lugar, isto é, na sua família. Que tudo se deveria fazer para que tal acontecesse, nomeadamente através da ajuda material às famílias. Mas, nem tudo o que parece melhor é, na prática, o melhor. Isto significa que há famílias que não têm as condições para terem o(s) seu(s) filhos consigo, por períodos mais ou menos longos, por incapacidade própria ou por auto-conveniência, desejada ou não. E a ajuda material não é a garantia de bom aproveitamento porque pode ser desviada para outros fins.
De facto, há circunstâncias que levarão a que as crianças fiquem em situação declarada de abandono ou em risco de abandono. As Casas do Gaiato e outras similares terão sempre que existir, dada a fragilidade da criança e a diversidade de relações que as ligam a quem as trouxe ao mundo.
«O padrão da Obra [da Rua] é a família. Eis a escola natural da sólida formação do homem».
Há crianças que não crescem numa família. E há muitas outras que, vivendo numa família, não criam laços familiares fortes com ela. Estão, no seu íntimo, em parte ligadas e em parte desligadas. Daí haver problemas graves que acontecem com crianças que, aos de fora, parecia terem tudo. Outras há a quem se dá um projecto de vida colegial, que obviamente será incompleto.
Há, no entanto, valores fundamentais para «a sólida formação do homem». O maior deles é, talvez, a Justiça, coisa que estas crianças desconhecem. A Justiça dá critérios firmes para o equacionar dos problemas. Esta Justiça tem a sua sede em Deus que se conhece no Seu Filho. A Justiça cria o lastro para o amor, porque não há verdadeira Justiça se não for coada pelo amor, pelo desejo de Bem.
Pai Américo serve-se do cuidado prestado aos outros, especialmente o «amor aos Pobres», o lado espiritual da vida, e do trabalho com que participam no que é seu, o lado material, como meios para edificar o homem adulto que virá a ser o rapaz. Ambos estão interligados e nenhum deles pode ser dispensado.
Este modo de vida exige tudo a quem se lhes dá, o tempo e a alma. Não é para todos. Continua a ser uma palavra nova para acolher os abandonados que sempre teremos connosco.
Padre Júlio