DA NOSSA VIDA

«Assuntos»

Nós, cristãos, temos uma dificuldade resistente e irresolúvel, que é, idealmente, não termos leis. Ainda que algumas sejam criadas pelo imperativo de uma vida equilibrada na Comunidade dos crentes, tendem sempre para se dissiparem perante o valor supremo que é a sua não existência pela prevalência do Amor, como Jesus Cristo nos ensinou.

A sociedade civil actua ao contrário. Quando há problemas (nem que sejam só para alguns), resolvem-nos com a institucionalização de uma lei que os regule. Desculpem-me estar a meter a colher num assunto tão sério, que exige profundos estudos e capacidade para os aprofundar. Não me situo neste nível, mas não estou incapacitado para o ver com simplicidade. Não quero mais que ser simples como as pombas… já agora, também, prudente como as serpentes… Mas, não me parece bem considerar como assunto resolvido, transformado em "sem assunto", porque existe uma lei que o regula.

Tenho visto muitos problemas sérios, em que tudo lá cabe menos o Amor de Jesus Cristo, a serem condenados ao esquecimento, porque uma lei hirta os arrumou para a não existência, quando de facto estão aí a latejar. É mais fácil repelir que atrair com laços de bondade, misericórdia e esperança de Bem.

Entrando no concreto, podemos e devemos perguntar-nos, se a vida uma vez concebida, não deve ter caminho aberto para se realizar, apesar das incertezas e fragilidades que lhe são inerentes. É a vida um dom existencial só para aqueles a quem ela lhes é permitida? Pode outro ser, que lhe é essencialmente igual, impedir que viva um outro que lhe é semelhante? Pode a conveniência de alguém impor tal destino? Foi com pena que ouvi alguém, com destaque na sociedade, dizer que o aborto não é assunto, por isso, se conclui que não valerá a pena reflectir nem falar num problema que já não existe!

Quem promoveu a sua legalização dá-se por contente: resolveu um problema de ideias, de factos, de conveniências e de imagem, mas não eliminou a questão radical da transcendência dos actos humanos. Não ficou, por isso, o problema resolvido com a lei, mas mantém-se em aberto na intimidade do ser humano.

Outros assuntos que nos tocam, embora sem esta radicalidade, falam-nos de imposições da lei que não trazem mais alegria à vida por via delas, antes pelo contrário. Talvez haja, no futuro oportunidade para os visitar, eles que, como todos os outros, passam depressa ao esquecimento por via de serem "não assuntos".

Padre Júlio