DA NOSSA VIDA

D. Francelina

Queria falar dos nossos amigos Pobres. À falta de tema melhor, porque não há melhor tema, recordo a D. Francelina que, de longe a longe, vinha pedir ajuda para pagar a água, a luz, o gás, entre o que mais falta lhe fazia naquele momento.

Gostava de ouvir a D. Francelina, que me tratava de uma forma que eu gostava porque não era o que ela me chamava: senhor doutor. Gostava da sua simplicidade e franqueza.

Há dois ou três anos comecei a levar-lhe alguma mercearia a casa porque tivera uma queda que lhe fracturara o fémur e não podia movimentar-se sozinha.

Ultimamente não aparecia. Até que uma filha veio apresentar-nos a sua dificuldade em pagar uma dívida de vários meses de rendas de casa, apesar de ter um custo mensal reduzido, a casa é da Câmara, que deixou acumular.

Mal a vi perguntei-lhe pela mãe. Que falecera havia dois meses, de morte trágica junto ao fogão.

Fiquei triste por a D. Francelina ter partido e pela morte dolorosa que lhe tirou a vida. A morte dos Pobres aquece o coração de Deus porque vai passar a tê-los mais pertinho de Si: «Vinde benditos de Meu Pai…» A D. Francelina foi certamente recebida no seio de Abraão.

Por vezes, a D. Francelina pedia a alguém para nos ligar. Nós gostávamos de a ver. As facilidades que as comunicações hoje oferecem, empobrecem as relações entre as pessoas. Também no contacto com os Pobres é muito importante a presença. Uma chamada telefónica ou um e-mail não têm a virtude de criar empatia e congregar vontades.

Neste campo das comunicações, apesar de alguns dos nossos amigos ainda virem entregar as suas ofertas em mão à nossa Casa, referindo, por vezes, que o fazem como quem cumpre um voto, o que nos enriquece a todos, a maioria envia pelo meio que lhe é mais conveniente, porque dificilmente o poderiam fazer pessoalmente. Compreendemos. Mas gostaríamos de poder continuar a ter mensagens escritas, que comunicam o que lhes vai na alma, quando se nos dirigem. Também porque vão chegando poucos testemunhos escritos, os quais partilhamos com todos os leitores d'O GAIATO anualmente, na edição de aniversário do nosso Jornal. Quanta riqueza fica guardada! Os nossos amigos surpreendem-nos muitas vezes, como o que nos disse, há dias, uma amiga ao telefone, que O GAIATO era a continuação da Bíblia! De facto, a Revelação de Deus foi realizada em Cristo Jesus, mas o conhecimento de Deus continua a expandir-se.

Deus dá-Se a conhecer também nos Pobres. Por isso Eles são bem-aventurados.

Padre Júlio