DA NOSSA VIDA

Abandono

Nesta Casa do Gaiato de Paço de Sousa atingimos o impensável: temos um só rapaz menor de idade. Os restantes são todos maiores. Ele é único, mas está muito bem inserido na nossa comunidade. Tem quem cuide dele e, em muitas coisas, também se sabe cuidar. Não há distinções de espécie alguma. Como Pai Américo dizia, ainda que fosse só por um já valia a pena. Claro que temos os mais velhos, mas o nosso benjamim é especial.

Olhamos para fora de portas, para ver se não seremos mais necessários no acolhimento e acompanhamento de rapazes que necessitem de uma família. Pelas notícias que correm, ouvimos falar de gangs de adolescentes e jovens quebrando a tranquilidade nas ruas de algumas cidades. Estes rapazes, ainda novos, já foram crianças, e parece que estão a encaminhar as suas vidas para hábitos de delinquência, senão mesmo para o crime mais grave. Não haverá outros a seguirem-lhes as pisadas? Com a rede existente de monitorização da situação de cada criança, com os meios humanos disponíveis para prepararem esta informação, não haverá quem, com a autoridade que lhe compete, salvarem-nos do caminho deslizante para a delinquência?

Ao longo de mais de 80 anos que vimos servindo voluntariamente e graciosamente o nosso país, também Angola e até há poucos anos Moçambique. Foram centenas ou milhares de crianças e jovens que se fizeram homens, pessoas que construíram a sua vida e, por sua vez, serviram e servem o seu país de naturalidade. Homens íntegros, úteis à sociedade.

Antes que piore a situação e seja tarde, é tempo de acreditar que não há rapazes maus, como dizia Pai Américo, e não deixar correr o marfim. Maus são os métodos e medidas ou a falta delas, que os põem ou deixam nos caminhos da sua auto-destruição. Não nasce cada criança para ser feliz, membro de uma sociedade equilibrada e justa? Que ninguém favoreça, por egocentrismo de conveniências, a perdição nem que seja de uma só criança. A sociedade tem obrigação de cuidar de todos os seus membros, especialmente dos mais pobres e indefesos.

Padre Júlio