DA NOSSA VIDA

Espírito da Quaresma

Várias vezes me desloco a casa daquela pobre, porque todos os meses temos que lhe aviar as receitas dos medicamentos, levar-lhe mercearia, entre outras coisas, já que a sua pensão fica muito aquém das suas necessidades.

No encontro com a pobreza em que ela vive, confronto-me e aprecio até onde vai a minha disponibilidade para a pobreza. A pobreza é uma necessidade na nossa vida. Se não formos pobres não estaremos ao lado dos pobres. A riqueza é vã, e afasta o homem da verdadeira fraternidade. Sim, o Senhor pôs-nos a todos nesta situação, de darmos de frente com a riqueza e a pobreza, para ver como reagiremos e orientamos a nossa vida.

Diz-nos também que feliz é aquele que acolhe a pobreza no seu coração, e infeliz o que se dá à riqueza. Depois instalará o tribunal: os pobres serão chamados para a sua direita, lugar do acolhimento e da bem-aventurança, e os restantes para o lugar da postergação, da angústia e do ranger de dentes. Sim, a justiça de Deus é retributiva: «… lembra-te que recebeste os teus bens em vida, e Lázaro somente males. Agora ele é consolado, enquanto tu és atormentado…».

Este amor aos pobres organiza-se sob a forma de acção social. Mas, já como dizia Pai Américo em referência à fundação do Calvário, «estamos em frente de uma empresa onde o dinheiro é preciso. Muito dinheiro. Milhares…». Hoje as obras sociais precisam ainda de mais dinheiro, de muito dinheiro para poderem funcionar. A necessidade de cumprir as leis exige muito pessoal contratado, pela multiplicação da burocracia e de tarefas especializadas (o que não implica que os resultados obtidos sejam melhores), e o consequente aumento nos ordenados e impostos a pagar, as instalações e meios de trabalho crescem e fazem maiores os encargos que terão de ser pagos. Para tal, a maior parte recorre aos financiamentos do Estado, o que as deixa, em boa parte, nas suas mãos, dependentes deles.

Mas as obras sociais precisam de ter as "mãos livres" para realizarem o serviço a que se propuseram na fidelidade aos seus princípios. Os pobres são os que mais carecem delas, por isso, a estes nunca deveria faltar a ajuda que necessitam. As que dão primazia ao serviço dos pobres deveriam ser olhadas e apoiadas com especial predilecção. Assim se faz com os membros mais fracos que são tratados com especial atenção. Mas, com tantos encargos financeiros e exigências indistintas, o que sobrará do autofinanciamento para atender àqueles que nada ou pouco podem dar em troca?

É preciso, sempre, recuar às origens, confrontar a vida nas fontes da verdade e da luz. E ter coragem para arrepiar caminho, ainda que seja necessário lutar contra ventos e marés. O espírito da Quaresma que vivemos neste tempo imediato chama-nos a acreditar nos valores do espírito que se sobrepõem aos materiais. Não deixemos que sejam estes a dominar aqueles..

Padre Júlio