DA NOSSA VIDA

Padre Horácio

O dia 28 de Janeiro deste ano de 2024 marca o Centenário do Nascimento do nosso Padre Horácio. Natural da freguesia e concelho de Mira, lugar da Lentisqueira, onde residia a sua família, daí seguiu para o Seminário Menor da Figueira da Foz, e deste para o Seminário Maior de Coimbra. Não pretendo fazer a sua biografia mas procurar salientar aspectos da sua vida que captei e que me ajudaram a compreender e a procurar incarnar o âmago do ser do Padre da Rua.

Padre Horácio viveu de perto com Pai Américo, nos últimos 6 anos de vida deste. Foi uma experiência decerto muito intensa, que lhe permitiu respirar o espírito que animava e conduzia Pai Américo. Antes, haviam corrido 10 anos, desde a fundação da primeira Casa do Gaiato, em Miranda do Corvo, Coimbra. Neste espaço de tempo, já Padre Horácio, no Seminário, recebia os testemunhos da Obra da Rua através d'O GAIATO, que lia sem deixar de lado até os valores das ofertas descritas abundantemente, que caíam nas mãos de todos os obreiros.

Ordenado padre em 1950, cheio de amor pela Obra e pelos Pobres que Ela servia, não admira que desejasse entregar a sua vida sacerdotal a esta parcela do Povo de Deus. Quando Pai Américo lhe mostrou as suas calças rotas por debaixo da capa negra, compreendeu o significado da expressão «a nossa riqueza é a nossa pobreza». Palavra e testemunho numa só unidade.

Padre Horácio era um homem de meditação. Falava sim, mas não se ocupava muito em assuntos triviais, embora gostasse de gracejar com esta ou aquela particularidade de quem o acompanhava. Não era pessoa de muito aconselhar, em apontamentos era muito breve, mas sentia interiormente as dificuldades dos outros. Também não falava muito de Pai Américo, mas deixava transparecer, involuntariamente, na sua pessoa o que de Pai Américo fez seu. Era um seu exemplo vivo, do Pai Américo do silêncio, do ruminar a vida, do pai dos Pobres, Pobre como eles, do lutador pela justiça, com as armas da paz, da bondade e da entrega da vida. O seu lema interior era o de Francisco de Assis — Paz e Bem —, franciscano como Pai Américo. O seu casaquito de malha e as sandálias nos pés eram o seu burel.

A vida dos Pobres doía-lhe. A vida dos doentes ainda mais. Quando visitava o nosso Calvário não conseguia abeirar-se dos mais profundos. Ficava-se pelos que tinham alguma vida de relação e pelos rapazes da Casa de baixo, a de Beire. A sua sensibilidade era autêntica.

No trato com os outros padres da Obra, era muito afável, e também com todos gostava de gracejar com as limitações que todos temos. Percebia-lhe o desejo de que entre todos houvesse paz e que a fraternidade estivesse no bater do coração de cada um.

Um homem autêntico, um discípulo de Cristo, um padre para os outros. Não se lhe importava dos juízos de que fosse alvo. O seu juiz, concluo eu, era de outra ordem.

Na sua hora de despedida desta vida, presente na Casa do Gaiato que acompanhou nos primeiros anos da existência desta, a de Setúbal, ruminava, como Pai Américo gostava de dizer, no interior silencioso de um carro da Casa, a vida a que fora chamado e as vidas que fora chamado a servir. Creio que feliz.

Padre Júlio