DA NOSSA VIDA
Porta aberta
Têm vindo vários Rapazes visitar-nos, especialmente dos que residem em países estrangeiros e lá vivem. Vêm com suas companheiras, casados ou não, e também os filhos, quando os geraram.
Para eles são momentos de muitas recordações. Os mais expansivos, recuam décadas e verbalizam as memórias que vão irrompendo em catadupa. Como estamos inseridos nos acontecimentos, devido às nossas falhas de memória surgem novidades para nós, normalmente agradáveis, que nos deixam a sorrir.
Fazem, com os seus, o reconhecimento de todos os espaços e recantos da nossa Aldeia, procurando transmitir-lhes as experiências que viveram, como se tal fosse possível. Esta aproximação ao passado, é a confirmação que não somos só o presente com os olhos postos no futuro, mas somos, cada um de nós, uma estória entrelaçada em muitas outras, que nem o espaço nem o tempo nem a morte poderão apagar.
Os filhos, pela sua menor experiência de vida, são os que maior dificuldade têm em integrar o que vão ouvindo, e vão gravando no subconsciente. As companheiras, vão estabelecendo os paralelismos com aquilo que conhecem, valorizando os espaços da nossa Aldeia e as particularidades que a distinguem de tudo aquilo que conhecem. Um dos simples factos que as surpreende é termos o portão aberto, escancarado para quem queira entrar. Habituadas às vedações que se repetem em cada habitação, ter o portão aberto é algo que não conseguem entender.
No dia-a-dia da vida social, vamo-nos habituando a ter parte numa vida anti-social. Cada um conquista o seu espaço, mais ou menos avantajado de acordo com as suas posses, como se vivesse ali num mundo à parte, distante e isolado de tudo o resto. Com esta tendência e prática de vida, o sentido de fraternidade e de partilha desaparece, muitas vezes até ao ponto de esconder tudo do olhar dos outros.
Quantas vezes me dou a pensar na imensa multidão que nada partilha do que é seu com os outros, gente de palmas das mãos vazias e a face oposta adornada de imensas riquezas que deixam à míngua os «Lázaros» que pouco mais procuram que umas "migalhas" que os ajudem a viver.
Por isso, é importante a porta aberta, que hoje dá um acréscimo de sentido àquele que Pai Américo originalmente lhe deu, significando a liberdade e a responsabilidade pessoal. A porta aberta, hoje, não é uma fachada que se abre para quem passa, mas um sentido alargado de partilha de vida com que todos devem estar comprometidos. A porta aberta nada esconde ou restringe, mas sugere como é importante ter mais confiança e menos desconfiança, sem anular a privacidade e vida nuclear de cada um.
As visitas dos nossos Rapazes e suas famílias, prolongam e alargam o que nos constitui como mãe, pai e irmãos.
Padre Júlio