DA NOSSA VIDA

Pai Américo - 66 anos

Sessenta e seis anos se passaram desde o dia 16 de Julho de 1956, daqueles últimos dias carregados de dor física que Pai Américo suportou em consequência do acidente que sofrera: «Sangue contra sangue»; um a jorrar para a vida, outro para a morte.

Vinte e sete anos de vida no ministério sacerdotal, que se completariam doze dias depois. O entusiasmo da entrega da vida, sepultada como o grão de trigo na terra, de onde brotaria muito fruto que haveria de saciar uma imensa multidão: «Gosto desta morte porque espalha a vida!»

Pai Américo, o pai dos filhos de ninguém: «A Obra da Rua prefere os mais repelentes, os mais difíceis, os mais viciosos». Repelidos pelos progenitores e pela sociedade, encontram no vício o acolhimento que por direito natural, familiar e social não deveriam ter conhecido.

As Casas do Gaiato nasceram porque a rua não é lugar de regeneração mas lugar onde contraíram os vícios. A Casa familiar é o único terreno favorável onde começam ou recomeçam uma nova vida, é o fundamento onde se estruturam como homens enquanto indivíduos e companheiros.

O espírito familiar que experimentam e partilham, vai preenchendo neles as lacunas que o vazio da rua lhes deixou. A vida activa e sadia em afazeres criativos, construtivos e responsabilizantes, insuflada de vida interior, vai caldeando com o tempo os sentimentos, a consciência e as aspirações a uma vida futura onde se crie e reproduzam experiências gratificantes que imprimem carácter para a vida toda.

Uma vida sem preconceitos nem estigmas. «Uma vez gaiato, gaiato para sempre», ouço da boca deles repetidas vezes ao longo dos tempos. Gestos de solidariedade e companheirismo isentos de qualquer peçonha ou esquemas duvidosos, acolhidos com fraternidade, que se quer perene e bem vista aos olhos de Deus.

O respeito pelo Pobre, imagem e presença de Cristo que se identificou com Ele, acompanha a vida de Pai Américo desde o seu tempo juvenil. Prolongou em nós esse dom gerado nele, como «extraordinária luz para descobrir no Pobre abandonado» o rosto de Deus. Ficou-nos o mandato de continuarmos a visitar o Pobre, socialmente «encargo indesejável», para que se dê conta do «caminho da Verdade».

Hoje

O desprezo pelo caminho da Verdade do homem, já Pilatos duvidava da sua existência, tem levado à incerteza e seu refluxo constante, na busca de encontrar outra verdadezinha mais convincente, mas sem nunca acertar. O que ontem era verdade hoje já não é. Com a verdade a mudar tanto e tão depressa, que esperar do dia de amanhã? A resposta está aí, com seus efeitos conhecidos: violência, doença, abandono e descarte, em crescendo.

Os valores bons para a humanidade são imutáveis na sua essência. Para que servem as vaidadezinhas de aparecer com uma novidade quando «o que tem valor é a nova criatura»?

Padre Júlio