DA NOSSA VIDA 

É incalculável o número de ninhos que todos os anos os pássaros constroem para acolherem os seus filhotes, mas nem sempre nos damos conta disso. Em nossa Casa vemo-los a procurarem fazê-los em lugares de difícil acesso, onde não chegue quem os possa perturbar: nas sebes, nas árvores altas, em ramadas e sei lá em que mais outros sítios, pelo que os nossos olhos dificilmente os descobrem. Mas, pela sua presença recorrente e habitual em locais onde entram apressadamente, levam-nos a supor da existência de ninhos nesses locais.

Noutros tempos, os nossos rapazes ocupavam-se em acompanhar, de perto, os ciclos da natureza e, chegando a época de os pássaros nidificarem, ei-los a vistoriar os ninhos que iam descobrindo, arregalando os olhos perante os ovinhos que iam sendo postos pelas mães e esperando a hora do nascimento das crias que, milagrosamente, acabavam enchendo o ninho. Se alguns rapazes guardavam para si e algum amigo o segredo do local misterioso, outros tomavam atitudes de posse do achado, marcando e registando como sua a propriedade perante o interesse de outros rapazes.

Era assunto tão sério na comunidade que, por vezes, pedia a intervenção de um responsável da Casa para que se fizesse valer o bom senso e o direito dos próprios pássaros à sua autodeterminação. Era uma autêntica defesa do direito à vida dos passarinhos, para impedir qualquer acção perversa.

É sabido como hoje as crianças não contactam com a vida animal em todo o seu desenrolar natural, mas maioritariamente só tomam contacto com ela como quem faz uma experiência laboratorial, visitando os chamados espaços biológicos. Este divórcio do contacto quotidiano com a natureza animal, impede-as de usufruírem dela como terapia natural, saudável, que muito as ajudaria a dissiparem problemas emocionais, leves ou normais ou mesmo patológicos. A sua substituição por animais em casa, a que a vida citadina obriga, compensa em parte mas não ilustra os ciclos da vida que um contacto mais diversificado oferece.

O papel curativo e formativo do contacto com a natureza, tão importante na pedagogia intuída por Pai Américo no seu tempo, que nós mantemos e promovemos, conserva o seu valor mas é pouco procurado pelos que dele mais poderiam beneficiar, as crianças. Hoje, a força do impacto do virtual na mente delas, tão divulgado e fácil, impõe-se-lhes, e relega o real para o mundo das coisas psicologicamente inexistentes.

É natural que os nossos mais velhos sintam saudades dos tempos em que a vida irrompia a cada canto e momento. Dos acontecimentos se retiravam até os nomes pelos quais se passavam a conhecer e a identificar os próprios rapazes, ficando para segundo plano os nomes verdadeiros. Daqui resultava que quando era preciso dizer o nome de um rapaz num acto formal, se tornava difícil lembrar o nome próprio, prevalecendo a alcunha por que era conhecido. Se o nome próprio não dizia nada daquele a quem se referia, tantas vezes se repetia noutros, a alcunha identificava-o e transmitia algo do seu ser.

Padre Júlio