DA NOSSA VIDA

Da nossa Obra

Pai Américo não se equivocou ao criar uma Obra da Rapazes, para Rapazes, pelos Rapazes, e de pôr toda a confiança neste sistema e pedagogia de vida nas nossas Casas. Ele é sinal de confiança na pessoa humana, independentemente da idade e formação. Ele dá oportunidade a que todos os intervenientes aprendam e cresçam em maturidade, conhecimento de vida e a viver humanamente em sociedade.

Ainda há dias tocou-me o coração o gesto de um dos nossos, responsável por um grupinho de mais novos. Estávamos à mesa. O chefe de mesa ajudava um dos mais novos a cortar a carne, enquanto o pequeno olhava silencioso, sorvendo o gesto do outro. Neste simples e banal acontecimento, temos a prova do valor da pedagogia da Obra da Rua, onde se podem encontrar muitos dos valores que deram ânimo a Pai Américo para se lançar, confiante, nas riquezas que se desenvolvem e brotam da alma humana. Ela é um terreno fértil, e quando induzida para o bem é capaz de gestos heróicos, sem privilégio da idade ou condição social. Tal como Jesus escolheu para seus apóstolos homens rudes ou mesmo mal-amados da sociedade, assim Pai Américo escolheu para seus filhos, os garotos mais viciosos na mentira e tidos como o lixo das ruas, sacudidos pela sociedade que os gerou. Tornados homens úteis e integrados nela, constituíram-se em prova de que não há rapazes maus, pois a alma humana é um terreno propício para fazer nascer, inesperadamente, bons frutos donde só se poderiam esperar espinhos.

Tal como toda a medalha tem um reverso, também as cenas da vida não são sempre de paz e sublimidade. Ainda assim, não negam o que atrás ficou dito, nem são acontecimentos negativos, como é vulgar dizer-se. São sim estados de alma a precisarem de confronto para reentrarem no sulco do bem. Foi o que aconteceu nestes dias com um dos nossos em atitudes desrespeitosas e arrogantes, qual árvore em crescimento à procura de encontrar o "seu" sol. Com determinação e paciência precisou de entender que todos precisam de receber a sua luz, porque sol há só um.

Há dias, numa viagem de transporte público, uma jovem estudante do ensino superior ia partilhando com um seu colega, o que considerava ser importante estudar e fazer para aproveitamento da sociedade. Dizia então que as disciplinas como a filosofia não tinham qualquer interesse, mas só as que criavam mecanismos para o desenvolvimento. Além de não perceber que já estava a filosofar com o seu pensamento, não tinha consciência de que é o pensamento que origina o desenvolvimento, e que sendo o desenvolvimento para benefício de todos, todos devem participar nele. É assim que, neste conceito, o Rapaz deve participar no seu crescimento e no dos outros, em vez de ter quem pense e faça por ele, o que afirma o nosso lema «Obra de Rapazes, para Rapazes, pelos Rapazes».

Ultimamente têm cá vindo alguns rapazes, que há mais ou menos tempo, vivem a sua vida autónoma. Sós ou acompanhados da família que geraram, lembram as pessoas e os espaços que ajudaram a construir, numa empatia serena e sentida. Hoje, estando por cá ou no estrangeiro, conservam a riqueza íntima da vida em que continuam a ser actores.

Padre Júlio