
DA NOSSA VIDA
Padres da Rua
Depois de termos lembrado Pai Américo na última edição d'O Gaiato, por ocasião da celebração de mais um aniversário do seu nascimento, parece-nos bem lembrarmos também todos os outros Padres da Rua que, seguindo o seu ideal, preencheram os seus anos de vida até ao limite dos seus dies natalis, numa entrega de si mesmos ao serviço dos Pobres acolhidos pela Obra da Rua.
Para além destes, ainda que sucintamente, também os outros que viveram a sua vocação sacerdotal na Obra da Rua, embora por uma ou outra razão se tenham reorientado, após um período de tempo como Padres da Rua, para outros serviços à Igreja, e que também já partiram para Deus.
Faço referência nominal unicamente aos primeiros, que pelo andar do tempo nos foram deixando.
Padre Horácio, um dos três padres que após a morte de Pai Américo tomaram sobre os seus ombros a Obra da Rua, em tudo se fez Pobre, para melhor comungar e partilhar e compreender a vida dos Pobres. A recolha que recentemente fizemos de muitos dos seus textos n'O Gaiato transcritos em livro, ajuda-nos a destacar os assuntos que mais o interpelavam, em busca de melhorar ou remediar a situação das famílias Pobres sem habitação humanizada, como as da Conchada e depois de todo o país, a dos rapazes provenientes de famílias desfeitas pela violência, de relações inumanas, de abandono provocado ou de orfandade, entristecido com vidas sem sentido, especialmente de jovens, bem como com outros problemas sociais que afectavam os Pobres; em tudo nele a oração caminhava a par, em que se lhe revelava a beleza de Deus no Pobre e na fraternidade com todos, com o bafo de Pai Américo sempre presente em seu espírito.
Padre Luís, entrado na família da Obra mais tarde, teve uma preocupação especial em expandir o nome da Obra da Rua na sua pertença à Igreja, fazendo-se presente e com os seus rapazes para, por eles, acicatar as consciências para a obrigação de não se fazerem indiferentes perante a realidade da pobreza. Uma recolha dos seus textos d'O Gaiato será uma importante ajuda para melhor ser conhecida a sua vida de Padre da Rua preocupado com a coerência de pensamento entre a realidade de cada momento e os princípios orientadores da Obra da Rua.
Padre Carlos, escolhido entre os três padres que tomaram o leme da Obra após a morte de Pai Américo, para lhe suceder na direcção, teve uma especial sensibilidade e cuidado para a vivência da Obra em fidelidade ao pensamento do seu fundador. Em tudo o que dizia respeito à formação dos nossos rapazes, manifestava-se defensor dos valores autênticos e na recusa de meros interesses ideológicos propalados, que não favoreciam os rapazes a quem as instituições, como a Escola, deviam servir. A instituição familiar era-lhe muito querida, modelo em que se enquadra desde o seu início a Obra da Rua, a família de dentro, e todos os Amigos que se sentem como dela fazendo parte, a família de fora.
Padre José Maria, dotado de grande simplicidade e coração fraterno, era ao mesmo tempo um destemido defensor da justiça, denunciando os opulentos e os movidos por conveniências que prejudicavam o Pobre. Sou testemunha de ameaças graves de que foi alvo, o que nunca o intimidou. Viveu insatisfeito e incomodado com a cegueira dos poderosos perante a dor dos Pobres, mantendo sempre como grandeza da sua vida a (natural ou adquirida) bondade que nunca o abandonava na aprovação ou na crítica às circunstâncias que o rodeavam.
Padre Manuel António, o último dos nossos padres que Deus chamou para Si, era a proximidade em pessoa. O livro que em Dezembro vamos publicar, como esperamos, contendo a recolha de muitos dos seus textos n'O Gaiato, que refletem as experiências da sua vida desde o início do seu ministério sacerdotal, coincidente com o de Padre da Rua, em Paço de Sousa, nas visitas aos Pobres do Barredo, e em Benguela, mostram-no como um padre-pai que a todos tem no coração e que, ainda que próximo de si a vida corra com serenidade, não repousa por causa de todos os outros a quem falta o necessário para uma vida digna. Por isso, é em oração constante que agradece por aqueles e intercede por estes.
Longe de pretender traçar linhas biográficas mas somente retirar do coração para o papel alguns traços destes nossos padres que partiram para a visão de Deus, estas são palavras da fraternidade que nos uniu aqui e impele para a plena comunhão futura.
Padre Júlio