DA NOSSA VIDA

Trabalho

Lembro-me, quando há uns bons anos estive um par de meses na nossa Casa do Gaiato de Benguela, haver o cuidado por parte de algum dos Rapazes, de colocar dentro de uma lata talvez de salsichas, um pequenino ramo de flores, a enfeitar cada mesa do refeitório. Neste sinal singelo e inédito, manifestou-se o desconhecido Rapaz no gosto de realizar o seu trabalho com beleza e carinho. Aliás, e regressando às origens, parece claro que também era essa a vontade de Deus quando entregou ao homem o cuidado da terra.

Tudo aquilo que os homens têm feito, ao longo da história, ao arrepio deste princípio, tem tido resultados insatisfatórios para eles próprios ou para a terra que lhes foi dado transformar.

É, portanto claro, que nem todo o trabalho, ainda que possa ser útil, seja bom. E, ainda que bom, pode não atingir plenamente os seus fins. Ainda que o refeitório que os nossos Rapazes preparam, fique limpo e bem arrumado, poderia ficar bem melhor com um pequenino ramo de flores colocado no meio das mesas, alcançando assim um valor acrescentado no coração de quem por ali passe.

O colocar beleza nas coisas feitas pelos homens, depende do estado de espírito de quem as faz e do interesse pessoal que põe em fazê-las. Tanto trabalho que não é mais que o cumprir de uma obrigação, de per si com valor mas que não atinge o grau de qualidade que corresponda à plena satisfação de quem lhe receba os frutos, os homens e Deus.

Todo o trabalho é um serviço que se presta a si mesmo e aos outros, mas, para que seja plenamente humano, tem de ter uma carga afectiva aliada ao facto criativo que se produziu. A falta deste afecto desumaniza o trabalho realizado. Digamos que equivale ao produzido por uma máquina.

Mas como o homem é incomparavelmente mais que uma máquina, espera-se que o trabalho que realiza vá crescendo de qualidade, sinal de que também ele vai crescendo. Nem sempre isso acontece, para o que contribuem certos estados de alma, mas é sempre possível incutir ou repor o toque humano naquilo que ele faz.


A seara é grande...

Neste trabalho simultaneamente material e imaterial, físico e espiritual, de que somos trabalhadores ou ceifeiros (mais condizentemente), quero agora fazer referência àqueles que descansam já do trabalho que realizaram, não de um descanso periódico mas definitivo, depois de uma vida que encontrou sentido trabalhando amorosamente ao serviço dos Pobres, estes muitas vezes nessa condição apesar do esforço em realizarem um trabalho que fosse suficiente para assegurar a sua subsistência e de suas famílias. Se Pai Américo se referia já a situações de «trabalho a mendigar», não foi esta realidade só do seu tempo mas também repetida no nosso.

Lembro então os nossos Padres cujo aniversário de falecimento ocorreu no mês de Abril, Padre Luís (2002) e Padre Carlos (2011), no mês de Maio Padre Horácio (2000), no mês de Setembro Padre José Maria (2016), e no ano passado Padre Cristóvão (Janeiro), Padre Abraão (Julho) e Padre Manuel António (Dezembro).

Os ceifeiros da seara a colher, são poucos. A seara é imensa. Peçamos ao Senhor da seara que mande ceifeiros para a sua seara.

Padre Júlio