DA NOSSA VIDA
Com sentido
É na vida que nos vamos fazendo, abrindo umas portas e fechando outras. Nas circunstâncias que experimentamos vamos fazendo opções, aceitando isto e recusando aquilo. Mas em tudo, por um fio condutor nos conduzimos. É assim que, para atingir um determinado objectivo, aquilo que foi realizado ontem de uma determinada maneira, hoje já não será realizado da mesma forma. Mudam-se as circunstâncias muda-se o modo de viver, embora possa ser o mesmo, o fio condutor da vida.
Isto tem muito a ver com a nossa vida, com a vida de todos. A simplicidade da vida que ontem alegrava as pessoas, lhes fazia sentir terem chegado ao âmago da verdade dela, parece diluir-se no confronto com a realidade que hoje experimentam. O virtual que vai ocupando o lugar do real parece tirar alegria à vida, ir transformando o homem numa máquina, uma peça da máquina que leva nas suas mãos.
Muitas vezes as pessoas se questionam: «No meu tempo é que era! No meu tempo não era assim!» Onde a diferença? Nas circunstâncias da vida, de ontem e de hoje? Será que essas circunstâncias mudam o essencial do ser humano?
Ontem ouvi uma senhora dizendo que tivera a confirmação da importância da legalização da eutanásia num caso concreto que lhe fora próximo. A eutanásia teria permitido salvaguardar a dignidade da pessoa em causa; a eutanásia seria um factor a contribuir para a dignidade humana.
Num primeiro momento parece ter razão. Estar perante uma pessoa em sofrimento profundo, só quem não tiver sensibilidade é que não se enche de compaixão por ela. Isto seria compreensível se a vida se resumisse àquele momento e circunstância. Mas pode a vida humana resumir-se a uma só situação, a uma só parte do todo que é a vida?
Só me parece aceitável este ponto de vista se não existir um fio condutor nessa vida, se não for tão importante a razão da sua origem como o a importância do seu "destino" e cada acontecimento que os intermedeia.
Este fio condutor traduz as razões em que a vida assenta. Para os discípulos de Jesus essas razões nascem da fé, na vida cuja existência não depende da criatura mas do Criador que a fez existir.
É assim que aquele acontecimento circunstancial de sofrimento, que para essa senhora justificava a aplicação da eutanásia, para quem tem fé tem de ter outra leitura: ser lido à luz do Calvário. Jesus Cristo, em extremo sofrimento, depois de ter desejado que aquele cálice de dor se afastasse d'Ele (sentimento que é comum a todos os que sofrem ou se compadecem), preferiu antes que se cumprisse a vontade do Pai, pelo infinito amor de Deus pela humanidade. Também Sua Mãe, Maria de Nazaré, de pé, plena de compaixão na dor de Seu Filho, se manteve unida e participante no Seu sofrimento.
É assim que as circunstâncias dos momentos da vida, especialmente os mais difíceis porque também mais difíceis de integrar, têm de ser lidos à luz do fio condutor da vida. A realidade só por si não diz tudo. É preciso uma interiorização e assimilação do concreto para lhe dar a resposta mais coerente que não a mais conveniente.
Um novo ano está a começar. Novos acontecimentos, novos problemas se irão levantar. Apesar disso, «nada há de novo debaixo do sol». Que a novidade seja uma nova humanidade a despontar.
Padre Júlio