DA NOSSA VIDA

Frágeis

Para além de tomarmos consciência de que centenas de pessoas que viviam em Lares, padeceram e morreram vítimas da doença que avassala o mundo neste ano que corre, também ficamos a saber qual a situação de vida da generalidade das pessoas mais velhas neste mundo ocidental tão avançado, ideológica e socialmente (!).

A situação é clara. Há casos particulares, que não a generalidade, em que as pessoas não têm outra solução senão, passada a sua capacidade para a autonomia, passarem a viver num Lar, se tiverem meios económicos para beneficiarem desse serviço. É inegável que, para muitas pessoas, é difícil pagarem a mensalidade de qualquer Lar.

Entretanto, me parece, a generalidade das pessoas, entram nesse sistema por imposição das circunstâncias. Falta o interesse e o apoio familiar para as acompanhar ou a capacidade da família para tratar a sua situação de falta de saúde.

Apesar da diversidade de situações, parece evidente que a vida social ocidental não se compadece por quem carece de apoio humano. Nem mesmo a família cuida dos seus mais dependentes. Atingida a idade da velhice, salvo honrosas excepções, a solução para a vida dependente é o Lar, muitas vezes numa morada em que fica rapidamente esquecida. Para quê então constituir família? Esta não deve sê-lo em todas as situações de vida dos seus membros?

O cidadão deste mundo ocidental, nunca como antes determinado por essa condição, a não ser talvez no mundo Romano (quem o sabe o dirá), opção com que o Estado se congratula, descarrega n'Ele as investidas da consciência e assim se justifica e se pacifica. Lembro-me de já há uns anos atrás, um colega padre me ter dito que não se justificava nós fazermos este trabalho de cuidar dos pobres e das crianças, porque esse trabalho cabia ao Estado. Assim, não é difícil descartar todos os frágeis! Concretamente no nosso caso, das Casas do Gaiato, muitos Rapazes vieram para nós no passado trazidos e a pedido de Párocos e de cristãos ou outros preocupados com o seu estado de abandono. Depois que a Segurança Social passou a tomar conta legal das crianças carentes de apoio social, o mundo foi-se transformando e, tanto as Obras da Igreja como mesmo famílias particulares, foram esquecidas como lugar familiar de remédio para essas crianças (estas ganharam depois um novo estatuto - famílias de acolhimento).

Esta mentalidade utilitarista generalizou-se, lançando raízes fundas no pensamento e na alma da generalidade dos nossos contemporâneos ocidentais, que não no mundo todo onde ainda subsiste, em muitos lugares, o valor do homem acima de tudo o que este mundo pode oferecer do que é material. É fácil concluir que, de há muitos anos a esta parte, nunca mais um Pároco ou um cristão ou outra pessoa qualquer, nos apresentou uma situação de um Rapaz em abandono, carente de apoio e de uma família. Os que estão connosco, vieram quase na totalidade a pedido de algum seu familiar com quem viviam exclusivamente, pedindo ajuda para a incapacidade de subsistirem com eles a seu cargo.

Que pedem estes frágeis? A Boa Nova, donde brota a fraternidade, o abraçar da cruz pelo esquecimento de si mesmo para que eles sejam lembrados, a disponibilidade para perder a própria vida para a ganhar. Quem se encontrará com este tesouro?

Padre Júlio