DA NOSSA VIDA

Licença

É verdade que o vírus fez parar muita coisa. Até nós, se não paramos, pelo menos ficamos muito restringidos nos movimentos. Uma coisinha que nem sequer um ser vivo é, como teve poder para tal? Quem lhe deu licença para mandar parar tanta coisa? Nós que púnhamos e dispúnhamos de tudo, ficamos atados por essa coisa insignificante!

Certo é que alguns tiveram a ousadia de pôr a vida a correr como se nada estivesse a acontecer. O preço que estão a pagar é incalculável. Qual o preço de uma vida humana? Alguém será capaz de o calcular? A sacralidade da vida eleva o seu preço ao infinito, portanto, é incalculável.

Esta tendência de mandar parar a vida é algo que vinha já de um passado recente. Noutras eras, os grandes do mundo faziam ao contrário: enquanto gozavam a vida punham os servos a mexer, a trabalhar. De há uns anos a esta parte, não: Eles é que, com as suas máquinas, fazem o mundo mexer, enquanto que os pequenos ficam de reserva, parados, com uns pequenos sustentos.

Nós ainda acreditamos que o trabalho dignifica o homem, apesar de outros tidos como mais sapientes dizerem o contrário, ainda que não por palavras mas afirmando-o nos seus actos. Foi assim que a nossa Obra nasceu e cresceu, acreditando e constatando esta verdade. E ainda que o trabalho não seja rentável nem lucrativo materialmente falando, é rentável e lucrativo para o bem-estar e saúde de quem o realiza. Ora, então também por aqui, é rentável e lucrativo materialmente falando.

Não sei se me estão a entender. Estou a falar dos mais incapazes, dos mais desconsiderados, dos tidos por inválidos pela idade ou doença, dos que ainda não tendo atingido idade legal para o exercício de uma profissão, são mandados para «o jardim brincar»! Há muita gente interessada em mandar parar todos estes.

Mas a vida é para todos! Todos têm direito a realizarem-se. Com que direito se mandam parar vidas que têm o desejo de se manterem activas ainda que fazendo coisas pequeninas e insipientes? Tal como ao vírus, quem lhes dá licença para mandar parar quem quer que seja? Será porque têm poder para isso?

O velho ditado popular diz que «parar é morrer». No que nos diz respeito, concordamos inteiramente com esta verdade tão simplesmente declarada, mas não nos conformamos com ela. Encontrar a vida e estar vivo implica ter actividade, qualquer que ela seja e de que ordem for. Todos devem poder fazê-lo.

A actividade, para ser verdadeiramente humana, tem de ser criativa, ainda que esta qualidade seja só visível para quem a realiza. Desta forma alimenta-se o sonho pessoal e a vida ganha incentivo. Não é este estado de alma necessário para que haja vida?

Afinal o vírus não teve assim tanto poder. Teve algum que não pode ser desvalorizado. Mais poder detém quem pode parar a acção livre de cada um, quem pode substituir-se ao sonho adormecido em cada um, quem faz do parar dos outros a sua actividade.

Que o tempo breve da passagem do vírus ajude a que a parte da liberdade que ele confinou em nós sirva de desagravo pela muita perda de liberdade a que muitos estavam sujeitos antes dele vir e que quererá regressar depois de ele ir.

Padre Júlio