DA NOSSA VIDA

Árvores e arbustos

O Paulo veio perguntar se podia cortar uns arbustos altos que estavam com muito bicho e a entrelaçar uns fios de telefone que por ali passavam. A gente foi ver, olha e volta a olhar, sempre com alguma desconfiança porque o Paulo gosta é de trabalhar com as máquinas, neste caso a motosserra, e não é a primeira vez que nos apanha desprevenidos fazendo o que não era conveniente.

Lá lhe disse que sim, que os cortasse.

Agora, aliviado o espaço desses arbustos, reconheço o bem que foi feito, pois já vejo da janela uma nova disposição das coisas e das plantas, que já lá estavam antes mas sem a beleza que agora têm.

Vejo como é bom poder ver cada árvore, cada objecto ali colocado por mãos humanas, individualmente, quando antes o destaque era o grupo. Este tem a sua beleza, mas não substitui a beleza de cada individualidade. Acresce ainda em beleza, o facto de que naquele pequeno espaço, todas as árvores serem de espécies diferentes. Umas de um verde mais claro que outras em tom mais escuro, copas diferentes em seus troncos e ramos. A beleza da diversidade na unidade.

Aqueles arbustos estavam mesmo a mais porque dominavam o espaço, centrando neles a atenção de quem passava ou olhava. As árvores, algumas mesmo mais altas que eles, nunca deixaram de ser como eram por natureza, limitando-se a ocupar o espaço que a sua natureza exigia.

Este mundo é composto de muitas árvores e arbustos. Se transpusermos para a humanidade esta forma de ser e de estar, facilmente veremos a beleza em cada indivíduo, se ele corresponder aos atributos com que a sua natureza o dotou. A começar pelos mais frágeis e simples da humanidade, lembro alguns dos doentes do nosso Calvário com que comecei a contactar nos meus primeiros passos na Obra da Rua. O João, a Alice, o «Bininho», o Boavida..., são exemplos que me fizeram descobrir na imperfeição ao olhar outra beleza que transparecia. Nem eles nem nós usurpávamos o espaço, antes respeitávamos o espaço de cada um.

Mas, também um dia os arbustos ali apareceram, querendo dominar todo o espaço que estes bonitos seres ocupavam sem se atropelarem nem ofuscarem. Então tudo ficou mais confuso e massificado. O desejo de domínio foi tal que, ao contrário da ideia do Paulo, em vez de cortarem os arbustos cortaram as árvores, deixando ali um rasto de tristeza e, nas que restaram, um forte desejo de muito depressa se começar uma nova plantação de árvores belas que, sabemos, nunca deixarão de existir. Os arbustos, também por cá sempre existirão, pelo que quem toma conta do espaço, há-de estar atento para que não mais se repita o atrevimento de cortar árvore por arbusto.

Padre Júlio