DA NOSSA VIDA
O Bem
Sempre que vou ao nosso Calvário, uma voz me espera para me martelar os ouvidos; que os nossos de lá, que nos foram retirados, «querem voltar para cá». Já os visitei, e sei que é verdade esta afirmação. Mais, é no mínimo confrangedora esta situação.
Ontem, dia anterior a este em que escrevo estas linhas, o Evangelho afirmava algo sobre o qual passei como gato sobre brasas: «O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado».
A vida evidencia como continua a carecer de anúncio esta Palavra. De se despertarem as consciências para aquilo que foi feito em nosso favor e não para nos prejudicar. O sábado, recorrentemente, continua a ser posto acima do Bem do homem, este em função daquele, quando o sábado foi feito por causa do homem. Invertem-se o sujeito e o objecto, trocam-se os interesses de cada um. Porquê? Porque são interesses.
Foi essa voz que me fez parar sobre as brasas das realidades da vida que nos queimam por dentro. E que, pela fraqueza da dor ou por um falso bem se nos cala a voz, ainda que aquela continue a vibrar. Tanto Bem que não se pode fazer e tanto Mal que se faz sob a capa de bem. Assim se juntam brasas sobre a própria cabeça.
Embora tendo sido feito por causa do homem, o homem não é senhor do sábado. O sábado é uma realidade que o ultrapassa, na qual pode entrar para ser mais homem. Por isso, o sábado foi feito, para que o homem atinja a sua plenitude.
Rasteiros, pelos seus interesses imediatos, os homens perdem a noção da grandeza a que são chamados, servindo-se do sábado para impor aos outros o seu domínio e tudo fique rasteiro. Muitas vezes o conseguem.
Não vos canseis de fazer o bem, diz o apóstolo. Todo o bem, por mais pequeno e insignificante que pareça, enche a vida de quem o presencia. Quem o faz, pode nem reparar no bem que fez, mas não deixará de produzir noutro o seu fruto, como a água que cai na terra para a fecundar. Também o bem foi feito por causa do homem. Por isso, também o sábado é um bem porque ambos concordam para o bem do homem. Mas, se pervertidos os seus fins, tornam-se opressores e causa de mal.
Aquela voz já tem o seu bem, mas não pleno. Ela quer atingi-lo, pelo que quer o bem dos outros que não têm o seu bem.
Padre Júlio