DA NOSSA VIDA
Família
Apesar de haver tanto cuidado com a dignidade das pessoas e da sua situação pessoal, pelo menos ao nível do discurso, há ainda hábitos de rotular algumas situações que ferem o que se procura tratar com cuidado. É o caso das crianças e jovens acolhidos em instituições que, por esse motivo, são nomeados de institucionalizados.
O facto de serem pobres não lhes retira dignidade, porque ser rico ou pobre não acrescenta nem diminui a dignidade própria do ser humano. Ser institucionalizado já imprime um ferrete social perante a normalidade que é viver e pertencer a uma família.
As Casas da nossa Obra nunca aceitaram usar essa expressão, que tem um carácter marginalizador. Não só não aceitam mas, essencialmente, não o são - instituição. Pai Américo fartou-se de bater nesta tecla para quem olhava de fora, já que quem nos conhece por dentro não precisa de esclarecimentos. Somos a família para os sem família - o lema e a prática. De tal modo assim tem sido que Padre Américo passou a ser Pai Américo - Pai da família da Obra da Rua, de ontem e de hoje.
Quem se dá inteiramente a esta causa, só pode desejar construir Família. «A Obra deve girar nos moldes da Família enquanto o miúdo lhe não puder ser restituído. E se este a não tiver, há-de sair do Ninho capaz de a construir, pela prática que teve dela.» Um espírito colegial, institucional, que conduz a vida por regras pré-estabelecidas e formais, não é compatível, com este viver.
A vida familiar é espontânea, livre, que educa pelo desenvolvimento interior para a responsabilidade em atenção ao outro que é da família e, por extensão, a todos os outros. Ninguém pode acolher os outros que não conhece se nunca se sentiu acolhido na sua família. Talvez por isso haja hoje tanta repulsão e desconfiança entre as pessoas nas suas relações quotidianas, porque lhes falta vida em Família. É mais do que notória esta repulsa que vai muito além da indiferença.
Uma instituição não é uma família, ainda que se generalize essa ideia e se faça crer que o é. A vida em família exige que cada membro faça dela o seu Ninho, onde estabelece as raízes do seu viver em cada dia. Não serão as exterioridades que substituirão o desenraizamento familiar. Uma instituição, por muito bem que se lhe queira, tem sempre como base um conjunto de regras exteriores que todos são chamados a cumprir. Uma família tem por base um agir em consciência que se vai formando, que faz agir por intuição. Os fundamentos estão enraizados dentro de cada um, e não fora.
Em muitas situações da vida social são necessárias instituições para lhes dar resposta. No caso das crianças sem família, essas instituições têm de remediar essa carência fundamental dando-lhes vida em família. A família não é uma realidade perfeita mas em construção, cujo crescimento vai acontecendo «no regresso a Nazaré». Essa é, como Pai Américo dizia, a fonte do «progresso social cristão».
Padre Júlio