DA NOSSA VIDA

Inquietação

No nosso dia-a-dia, não nos saem do pensamento as famílias e pobres que vamos conhecendo; uns mais preocupantes que outros.

Andava à procura de poder ir visitar aquela mãe de dois filhos, abandonada pelo pai deles. As angústias por que passam precisam de algum alívio, e é isso que lhes queremos levar.

Fui. Chegado ao local encontrei todas as portas fechadas pois chovia persistentemente. Uma familiar da tia, da que viera com ela na primeira vez, surgiu à porta. Perguntei pela dona da casa, que logo apareceu. Mulher experiente na vida, dava conselhos caseiros, pelo telemóvel, este não de última mas das primeiras gerações, à sua interlocutora, sobre as reacções psicológicas entre os membros da família em causa. Sabedoria colhida na experiência de vida, tarimbada nas dificuldades sentidas na própria pele.

Interrompida, pela minha presença, a ligação, logo lhe perguntei pela sobrinha, e se já estava recomposto o ambiente familiar. Que não. Ia com os filhos para casa da mãe durante o dia, e regressava à noite. A mãe dela, com pena pela fome que passavam, acolhia-os, embora também vivesse uma vida apertada.

Foi a pensar nisso que levei e deixei alguma mercearia e algo mais que lhes poderia ser útil, parte de uma oferta que nos fizeram nas vésperas. Estas crianças contentam-se com pouco, e umas guloseimas ajudam a superar a tristeza que sentem.

Como já dissera, a habitação deles é parte de uma casa de antigos lavradores, uma espécie de condomínio pobre, dito por outras palavras. O senhorio, como referiu a tia, está sempre passando para receber os seus direitos, mas como lhe poderão pagar? E a electricidade e a água, um dia virão para as cortar!

Vida difícil e sem esperança, para quem a começou certamente de coração cheio, a dois. Situações causadas por desvarios, acentuadamente mais fortes nos nossos tempos, provavelmente no encalço da ilusão do instante. Erro crasso.

Entretanto, voltara aflita a outra mãe com a filhita ao colo. Quando lá estivera, perguntei-lhe pela renda. Não manifestou preocupação, pensando conseguir cumprir. O certo é que não conseguiu, e ao mês anterior juntava-se o que agora estava a começar. Do pai dos seus filhos não voltara a ter notícias. A sua mãe, que vive com eles, tem uma pensão que aplica por inteiro nos remédios; teve um AVC.

Vendo-a tremer, perguntei-lhe se precisava de roupa; temo-la em abundância. Que não, tremia por estar nervosa; estava com medo de entrar em depressão. «Não se deixe ir abaixo», disse-lhe, «olhe os seus filhos». Confirmando que nesse mesmo dia lhe pagaria as rendas em atraso, despediu-se, esperando que um pouco mais animada. No entanto um mês passa depressa. E outro e outro. Pena que nem todas as «freguesias cuidem dos seus Pobres»; seriam cristãos e felizes.

Padre Júlio