DA NOSSA VIDA
Ovo de Colombo
Depois de edificar a Obra da Rua, e sentindo que ainda havia feito pouco pelos Pobres, qual «servo inútil» do Evangelho, Pai Américo quis granjear, ainda mais, a amizade d'Eles, deixando-lhes algo: «Há muito guardava no peito o desejo de um testamento. Não queria morrer sem deixar algo aos Pobres. Tinha, até, pensado num grupo de três moradias. (...) Só faltava a ocasião. Esta veio com a falta de trabalho, segundo o mestre de obras, mai-lo zelo do Júlio Mendes, dois elementos precipitantes.»
«Os pedreiros começaram a trabalhar em Fevereiro do ano de 1951.» Nascia, assim, o Património dos Pobres.
Em vida, Pai Américo promoveu a construção de alguns milhares de casas para os Pobres, por todo o Continente português e Ilhas. O Governo, as Câmaras, as Misericórdias, promoviam, nessa época, a construção de habitações, que não lhes eram destinadas. Nem sequer poderiam pagar-lhes a renda. «Existe, porém, um facto do qual ainda se não tinha dado conta: acomodar os Pobres. Dar uma casa ao Pobre para ele viver até ao resto da sua vida sem pagar renda.»
Foi mais um «incêndio» que Pai Américo ateou e se espalhou atingindo «milhares de corações e fizeram muita luz na inteligência dos homens». Como refere, apesar de as autoridades locais não porem obstáculos, houve «uma Câmara que embargou. Porém, as pedras da rua levantaram-se e deputados da Nação, no Parlamento, também.»
Dois anos decorridos «desde que se levantaram as primeiras casas do Património e, sem verbas oficiais, nem esboços ou projectos, a verdade é que, no limiar do ano de 1953, eram abrigadas do tempo, quarenta e duas famílias nos distritos do Porto, Coimbra e Lisboa. (...) Não tínhamos chegado à Páscoa deste ano de 1953, terceiro ano do movimento e já havia sinais de casas em Amarante, Guimarães, Braga, Coimbra, Vila Real, Viseu. Muitas delas em várias freguesias do distrito do Porto. Prosseguindo pelo ano além e juntando aquelas às de Lisboa, Tomar, Leiria, Elvas e outras terras, temos que o fim do ano viu passar de duzentas moradias ao serviço dos Pobres.»
«Nós podemos chamar restituição à entrega destas casas a estes Indigentes. Uma Restituição. (...) Entregamos ao Pobre aquilo que é seu.»
«Não me consta que tenha sido adquirido por compra, o terreno aonde as casas do Património se encontram. (...) Daquelas que temos construído e estamos construindo, não há palmo de terra que não seja oferta voluntária. São as câmaras. São as juntas de freguesia. São os particulares. Estes são a maioria.»
Pai Américo nasceu há 132 anos, 23 de Outubro de 1887, acabados de celebrar. No seu tempo, como no nosso, os Pobres tinham e têm pouco valor e andam esquecidos por quem manda. Foi pela iniciativa do seu «Recoveiro», o Padre Américo, que milhares de corações acordaram e deram, com amor, do que tinham, em partilha com os Pobres. Ergueram-se, em vida, milhares de casas, continuando a levantar-se muitas mais após a sua morte: «Deus quer, o homem sonha, a obra nasce» - obras de Deus.
Volvidas seis décadas, esqueceu-se este grande movimento do Povo português. Estas casas, sempre humildes, em grande parte mantendo a finalidade para que foram construídas, são hoje objecto de impostos como qualquer outra habitação. A sua origem e história, são coisa do passado, enterradas num esquecimento irresponsável de quem deveria tratar diferentemente o que é diferente. O que foi alegria para quem as habitou e habita e para quem colaborou na sua construção, é hoje motivo de tristeza para quem tem de lhes pagar o IMI, resultante da cegueira e, talvez, da soberba de quem o impõe. O que se construiu com esforço, dedicação e gratuidade, terá de ser hoje posto à venda por não se ter meios para suportar tal injustiça.
(Nota: Citações do livro da autoria de Padre Américo, «Ovo de Colombo», pp 18-51).
Padre Júlio