DA NOSSA VIDA

Precariedade

Só depois de visitar os Pobres se pode ter uma ideia aproximada da realidade que vivem. O galopar das horas e dos dias, não nos deixa tempo, por vezes, para irmos sentir, para compreendermos, a vida deles.

Desta vez, não hesitei: «Amanhã irei a vossa casa», disse a uma jovem mãe de duas crianças de tenra idade, que viera ter connosco, não por sua iniciativa mas pela de uma tia que acreditou que poderia, junto de nós, alcançar ajuda para a sua sobrinha.

No dia seguinte não falhei. Ainda manhã cedo, estava-lhes à porta. De um lado, a tia, do outro a pequena família, mãe e os dois filhos, abandonada pelo pai deles que há meses os deixara, abalando para o estrangeiro sem mais nem sinal algum.

A casa, de antigo lavrador, era ocupada por partes, por eles e por outras pessoas. A parte deles custa-lhes três quartos dos abonos de família que recebe dos filhos, único rendimento. A quarta parte não chega, normalmente, para a luz e a água. E para as outras despesas essenciais, onde obter o dinheiro? Socorrem-se da família, que nem sempre pode atender.

Esperei algum tempo por que me mostrasse o contrato de arrendamento, que não apareceu; somente encontrou uma declaração das Finanças, o que foi suficiente. Entretanto, enquanto aguardava, a tia ia-me falando da sua própria vida e das dificuldades que passou com o marido. Apesar delas, foi persistente, nunca saiu de casa, e as coisas melhoraram com o passar do tempo. A vida de um casal tem, normalmente, momentos ou fases difíceis de ultrapassar. Noutros tempos, a coacção social e familiar e os normativos religiosos iam travando e adiando tomadas de decisões drásticas, de separação e de divórcio. Hoje, como tudo é relativo e livres as opções pessoais, nada impede nem coage à separação e ao abandono. Muitas vezes, não se fica por aqui; revoltada uma das partes do casal, ferida nos seus sentimentos, parte decididamente para o aniquilamento do outro, destruindo-o e destruindo-se. A gravidade destas situações, demasiado comuns nos nossos dias, deveriam merecer uma outra atenção e orientação, que não só a da aplicação da lei. De uma sociedade moralista, de outros tempos, passamos a uma sociedade laxista ou amoral. Também neste caso, a virtude encontra-se no meio; é preciso valorizar mais a apreciação moral, sem cair num moralismo antiquado, e acentuar menos a apoio na lei, que pouco ou nada vem resolver depois do mal feito.

Chegara pois a jovem mãe, trazendo o mais novo ao colo. Que lindo menino; como é possível um pai abandonar assim a sua família, pensei!

Quando tanto se fala de precariedade, especialmente laboral, o que é importante sem dúvida mas não decisivo, normalmente, para a vida das pessoas, era bom que se falasse também da precariedade matrimonial e da família, essa sim, tantas vezes decisiva para os pais, os filhos e outros envolvidos nas famílias em destruição.

Fomos ao carro e trouxemos algumas coisas para os aliviar do seu estado depressivo, na alimentação e nas despesas da renda e outras, interiormente implicados nesta situação, o que nos fará voltar.

Toda a vida é precária. Mas quem a fez surgir, a alimenta e nos impele, não O é.

Padre Júlio