DA NOSSA VIDA

Pobreza

A nossa Obra está implantada em dois mundos estruturalmente diferentes: o europeu e o africano. O que um tem a mais tem o outro a menos.

A presença da Obra da Rua em África é, em primeiro lugar, uma bênção para a própria Obra. Ela não encontra sentido para se manter num mundo onde não pode ser o que é. E o que ela é, é uma obra pobre, de pobres, para os pobres, pelos pobres. A Obra nasceu com este espírito. E, para ser ela, tem de ser animada por este espírito. Como dizia Pai Américo, se não houvesse pobres, a quem poderíamos amar? Este espírito, é um espírito de amor, que preenche o que falta a cada um.

Com isto dizemos que a pobreza é uma bênção? Não, a pobreza é uma realidade ineludível, que acompanha ao longo dos tempos a vida do mundo, ela mesma a produtora da pobreza. Como «pobres sempre os tereis convosco», consequência da iniquidade do mundo, então sempre há a quem fazer bem: amar.

Pode-se então dizer que no mundo europeu não há pobreza? Não, há pobreza, e mais pobre ainda porque não pode ser objecto de bem à sua medida. Não se podem criar estruturas para lhes fazer bem sem a autorização e beneplácito do Estado, que tantas vezes complica a vida dos pobres que, de si mesma, é e tem de ser simples. Tenho bem presente a resposta de Pai Américo àqueles que nesse tempo, inversamente aos de hoje, diziam «não está nada certo o aparato das casas da nossa aldeia: Nem nós as temos tão lindas!», a quem respondia: «se fossemos a retirar o lixo para o lixo, seria uma simples transferência. Se do lixo para o luxo, seria miséria doirada».

Então, onde está a causa da bênção para a Obra em África? Lá, a Obra é querida e amada, pelo Povo e por quem a Governa. De lá saímos num tempo de profunda crise, dispensados. Para lá voltamos, chamados, porque desejados.

Por cá, não nos sentimos amados (a não ser por boa parte do Povo que nos conhece) nem desejados. Os pobres, muitos a tempo inteiro, outros em semi-pobreza temporária, vão sobrevivendo como podem. E nós, querendo servir e amar sem espartilhos mas dentro do bem que por si só é legalidade, «ama e faz o que quiseres», como dizia no último O GAIATO, vamos procurando descortinar o que esta realidade nos mostra pelos sem voz.

Quem sabe se a bênção do Pobre será tudo?!

Padre Júlio