DA NOSSA VIDA
Crescer
O Quintino, com o seu jeito muito expressivo, olhos bem abertos, esbugalhados, veio dizer-me que tinha perdido o cartão da escola. No modo como se expressava, transmitia que algo de errado tinha acontecido, embora sem culpa sua. Erro involuntário e inocência de mãos dadas. Tens de o procurar, e procurar bem..., disse-lhe. Deixei-o a pensar.
O Quintino é muito enigmático. Tanto o vemos carrancudo, cara de mau, como o vemos alegre, gargalhando. Qualquer coisa que o contrarie põe-no no primeiro estado. Caso contrário, expande satisfação.
Ele é o instrumentista do cavaquinho do nosso grupo musical, constituído para animar a nossa Eucaristia dominical. É um relógio, certinho, ritmando as músicas que o grupo executa. Não se lhe vê expressão, parecem mecânicos os movimentos das suas mãos, manobrando o instrumento.
No futebol, neste caso de salão, também não diz palavra; é um exímio executante, disciplinado, procurando sempre estar no lugar mais indicado. Apesar da sua baixa estatura e reduzida idade, mostra imaginação, alcançando, normalmente, belos efeitos no seu jogo, contribuindo para os bons resultados da equipa. Aliás, fico maravilhado ao assistir aos jogos da nossa equipa de futsal, admirado com a qualidade dos Rapazes e a criatividade individual e do grupo.
Uma das características comuns às Casas do Gaiato é, precisamente, o espírito de grupo, a sintonia que naturalmente estabelecem entre si os nossos Rapazes. Também a nossa equipa de futsal, manifesta claramente esta interligação e unidade entre os seus elementos. Nunca vi atitudes de desagrado entre eles nos diversos momentos do jogo pelas preferências do treinador, este que é um entre eles, nem outras que reflectissem individualismo.
A vida escolar é que é menos estável: o contacto com outros de fora, convívio entre colegas, ambiente escolar, que se reflectem num aproveitamento com altos e baixos, numa média mediana. Serve-lhe de contraponto a nossa vida familiar e esta chamada à responsabilidade: Perdeste o cartão da escola, tens de o procurar...
Ele e todos os outros estão a crescer. Sabemos que o sonho de quase todos os rapazes é virem a ser um futebolista famoso. Também os outros pais, muitas vezes, embarcam com eles, e até os incentivam e dão orientações sobre o modo como devem jogar, enfrentar e concorrer com os outros que ambicionam o mesmo, pagando o que for preciso para não ficarem para trás. Nós não fazemos isto, bem pelo contrário. Ficamos preocupados quando eles brilham pelas qualidades que têm, com medo que apareçam uns negociantes que lhes pintem um sonho e os prendam facilmente. Nós queremo-los livres. Já os conduzimos para a responsabilidade. Que, ao contrário do que o mundo propõe, não desejem ser ídolos mas construtores de uma vida fraterna, como entre eles experienciam nestes anos da sua juventude.
Nem de propósito... Encerrava a escrita destas linhas e o Quintino assoma à porta: Já tenho o cartão; foi a funcionária que o achou!
Padre Júlio