DA NOSSA VIDA

Em Angola

Fui para estar com os nossos padres e rapazes e com todos os que lhes dedicam a sua vida, na nossa Casa do Gaiato de Benguela e na nossa Casa do Gaiato de Malanje.

Como é próprio da nossa maneira de viver, acolheram-me como um membro da família que chega de longe, para acentuar em cada uma dessas nossas Casas a Obra da Rua.

Inseridas num meio generalizado de pobreza, os Pobres são, especialmente ali, uma interpelação constante a com eles partilharmos o que temos e o que somos. Muitos apelos silenciosos ficam gravados no nosso coração, à espera do momento propício para serem atendidos. Sabemos como os anos vão passando e pesando em cada um de nós, dificultando a nossa capacidade de resposta, mas sabemos também que o Senhor da Messe não deixará de escutar os nossos desejos e as necessidades daqueles que esperam auxílio.

Aquilo que para outros pode não ser mais que a constatação de um certo tipo de cultura com uma organização social correspondente, para nós é uma dor de alma ver carências tão profundas num contexto aceite como normal. Aqui as carências impõem-se a quem passa, pois os Pobres têm de sair à rua para providenciar algo para as suas necessidades. Nada vai ter com eles aos seus abrigos, eles têm de procurar.

É dentre eles que saem os rapazes que as nossas Casas acolhem. A grande maioria faz da Casa do Gaiato a sua família, não têm outra. Sem deixarem de ser pobres, membros de uma família pobre, têm de prosseguir crescendo no trabalho e esforço pessoal, na expectativa de que surjam oportunidades que lhes abram um futuro risonho. Para muitos assim tem acontecido, mas as dificuldades, pessoais ou sociais, não dão tréguas.

É um trabalho redobrado para os nossos, para o que as ajudas do exterior pouco contribuem. Centrados naqueles que são os seus filhos, mantêm viva a chama da Obra da Rua, neste modo tão adequado de constituir cada Rapaz um homem, com a colaboração das suas próprias mãos: Obra de Rapazes, para Rapazes, pelos Rapazes. Só em ambientes expugnados de vida palpitante e de assunção de responsabilidades, se pode rejeitar método educativo tão ao jeito daqueles para quem existe. Neste caminho pedagógico, eles são chamados a ser tudo para todos. Assim se constrói a família.

O apoio para tudo isto é a vida da fé. Ela, o alicerce sobre a qual se constrói a vida das nossas Comunidades em Angola. Tudo muito humano, mas tudo muito impregnado do divino. Nunca o humano é suficiente para manter vivos estes organismos. Em cada esquina encontramos uma oferta pretensamente religiosa. Em algumas é necessário pagar a entrada. Mas, entre nós, tudo é escandalosamente gratuito, tudo é dom, tudo é dádiva de si mesmo.

Padre Júlio