DA NOSSA VIDA

Faz agora 75 anos

Que «O GAIATO» saiu de casa com a cesta no braço, e de mangas arregaçadas, começou a semear. Nem toda; alguma ficou pelos caminhos, mas a maior parte da semente caiu em bom terreno e tem frutificado. O maltrapilho das ruas, já não é um desconhecido, como antes fora. Nem nós somos hoje para ele, como antes éramos, uma raça abominada. A semente caiu nas almas. Saiu a tempo o semeador.

Foi com estas palavras e com este título, devidamente adaptado, que Pai Américo celebrou o primeiro ano d'O GAIATO, era 1945, num texto totalmente concentrado no garoto da rua.

Saiu em bom tempo o semeador. A doutrina de «O Gaiato» tem aproximado os homens. Começa-se agora a amar. Era o primeiro ano.

O artigo de fundo desta edição do primeiro aniversário, não o puxa para si, apesar do seu lugar, único e de destaque, que ocupa na Obra ou do labor da sua pena que traduz, em escrita, o mais fundo do viver dos homens, especialmente do Pobre. Atribui-o a um dos rapazes, ele o José da Rocha, que conta a sua história no dia em que chegou à Casa do Gaiato, terminando-a com um: «Eu não posso mais». Foi perante este não poder mais, que Pai Américo teve de poder recebê-lo, quando não poderia porque a Casa, ainda a funcionar nos claustros do Mosteiro de Paço de Sousa, estava cheia. Ao contrário de uma conclusão lógica da inteligência, optou pela do contra factos há argumentos, argumentos do coração que fazem ver a uma nova luz. Daí a sua resposta imediata àquele «Eu não posso mais» do José da Rocha: «Fê-lo com tal assento, que não sei que me deu no peito e disse-lhe que sim».

Como era naquele tempo e hoje ainda é, puxa-se o mérito próprio pelos altos galões de outro alguém. Mas sendo a pobreza a maior riqueza da Obra, pensa-se e age-se de outra forma: Um todo nadinha irreverente como sempre tem sido, «O Gaiato» foge à ortodoxia social; não vai buscar gente de fora para fazer a festa. O artigo de fundo, que deveria ser no dia de hoje encomendado a um «senhor doutor», é escrito por um deles, para tornar cada vez mais fixa a cor da nossa bandeira: «Obra deles, por eles, para eles». Confesso que não escolhi este depoimento para este dia, mas estou muito contente, que em uma data solene do nosso jornal, apareça uma testemunha a depor solenemente contra as deploráveis culpas desta civilização.

Muitas foram as testemunhas que ao longo destes 75 anos depuseram n'O GAIATO o seu sentir e pensar e testemunho de vida: padres, senhoras, rapazes, leitores, assinantes e amigos, invariavelmente na busca de um mundo melhor, tarefa que não termina e que, no dizer de Pai Américo, regressa até ao fim do mundo.

Os tempos andaram e 75 anos se passaram. «O GAIATO» foi verdadeiramente fermento que levedou a massa, foi sal que temperou a vida de tantos. E continua, como no-lo dizem os nossos Leitores e Assinantes. É hora de celebrarmos esta longa sementeira e de saborearmos e partilharmos os frutos que Eles nos apresentam.

Padre Júlio