DA NOSSA VIDA
A caridade
Pai Américo dizia-o convictamente: «A obra não é minha; a obra é de Deus.» Mas como distinguir de quem a iniciativa, dos homens ou de Deus?
Já no início da Igreja nascente, Gamaliel referia aos Chefes religiosos que se a obra dos apóstolos era dos homens, cairia por si mesma. Ainda há tempos, um nosso assinante dizia algo semelhante: «... O meu contributo humilde para esta Fantástica Obra, que é Obra de Deus, pois, se não fosse, já teria acabado».
O modo de Deus agir é a caridade. Deus é amor; Deus é caridade. A caridade é Deus em acção. A caridade não é capacidade do homem mas dom que Deus lhe comunica e o torna capaz.
As obras humanas edificadas pela caridade são obra de Deus. É Deus que toma a iniciativa de as criar, que infunde no coração do homem o desejo de as realizar. Tornam-se assim, como dizia Pai Américo, obras humanas de sabor divino. Junta-se ao que é imperfeito a perfeição do amor de Deus em movimento. Daí, fica o sabor do perfeito na obra imperfeita.
A iniciativa é de Deus. O homem dá-se como instrumento, conduzido nas mãos d'Ele. O instrumento não diz o que fazer, ele faz segundo a inspiração e o querer do Artista, do Criador.
Quando o homem age por sua iniciativa na realização do bem, ele faz solidariedade. Esta é uma capacidade sua. Mas a caridade é dom recebido, não uma capacidade humana. É assim que surgem as obras que são palavra nova, concretizada pelo homem frágil, de que Deus Se serve para transformar o mundo, confundindo os fortes e os sábios. A caridade é Deus a agir no homem para, pelo homem, se fazer obra.
Nas obras da solidariedade, ainda que meritórias, tendem os seus obreiros a ufanar-se. Quanto mais crescem as obras maior o perigo de queda. Sendo eles a medida, a queda é iminente. Nas obras nascidas da caridade, embora sujeitas aos mesmos perigos, têm os seus obreiros na consciência da sua fragilidade, da sua pequenez, a sua protecção: «Eu sou cinza, eu sou poeira, eu sou nada, eu sou um homem cheio de defeitos..», repetia a viva voz Pai Américo. «O Padre Américo é um manietado como todos vós. Vai. Impelido. Cumpre o mandado. Nós somos mandados. É Deus que escolhe a hora. Que escolhe o lugar. Que dá o toque. Que ajuda a realizar e termina a realização.»
O que nasce na solidariedade, nasce da iniciativa dos homens. Estes põem todo o mérito em si. O que nasce da caridade, nasce da iniciativa de Deus. Os seus obreiros põem todo o mérito em n'Ele. «É preciso que se compreendam estas verdades eternas para não atribuir as obras a pessoas que não são os autores. Nós somos apenas os executores. É preciso pôr Deus no Seu lugar!»
Padre Júlio