DA NOSSA VIDA

Foi há setenta e nove anos

A nossa Obra nasceu na Rua, pelo contacto de Pai Américo com os filhos dela — os deserdados —, que tinham por tecto o infinito do céu, sem paredes, nem pai, nem mãe a protegê-los.

Foi a olhar o Céu infinito que Pai Américo ganhou asas para ver e sentir o abandono dos pobres, que o desassossegaram e dominaram - «uma paixão», disse. Toda a sua vida ficaria desde então dominada por esse fogo que «arde sem se ver»: AMA!

A única motivação e força que desde aí o impeliu, foi pois a caridade, verdadeiro exercício do amor, com que o seu coração olhava a realidade da vida, deleitado na cura que o amor de Jesus Cristo o fazia ver: «Sem nome, sem influência, sem prestígio, sem dinheiro; destituído de todas aquelas qualidades que fazem girar no mundo homens e ideias, eu realizei eficazmente os meus desejos, que são justamente os do garoto da rua: - dar-lhes pão, sol, largueza, asas. Comprei uma casa para eles - descobri um mundo novo.»

Foi há setenta e nove anos.

Desde então a bola de neve rolou, cresceu, agregando a si outros habituados a contemplar as maravilhas do infinito, de Deus. N'Ele a origem, a causa eficiente de tudo o que a Obra da Rua construiu e transformou, sem apego às coisas nem aos homens, mas somente ao Criador e às criaturas por quem e para quem velou, «para revelar ao mundo as incompreensíveis riquezas de Cristo».

Pai Américo não quis fazer obra sua. Procurou a licença para os seus trabalhos na palavra do Bispo: «Ande lá...». «Ai da obra, se eu não fosse da Igreja! Ai de mim, se eu não fosse da Igreja! Que podia eu sem Ela? E que não posso eu com Ela?»

Dado o desenvolvimento repentino da Obra da Rua, logo a procuraram cercear com carimbos e leis, para não escapar ao controle de quem controla. A uns houve de dizer, legitimamente, que não; a outros deu-se o sim necessário mas, legitimamente, descomprometido: «A gente fica a cismar nas leis acertadas que, às vezes, aparecem no País, com mira a exterminar o pedinte das ruas das cidades, coisa indecorosa para os nossos tempos, dizem, e para a dignidade humana. Mais acertada seria a lei de protecção e, melhor do que leis, a caridade, que não as toma nem as quer».

Os homens fazem leis. Diz-se que em Portugal há abundante e avançada legislação. Nós cumprimos no que nos diz respeito. Mas o leme da nossa vida é outro: Jesus de Nazaré, Aquele que conduz toda a embarcação a bom porto. A seu mando, nunca nos faltou o estáter que da boca do peixe se vem depositar nas nossas mãos indignas, para o partilharmos e cumprirmos as nossas obrigações. Tem sido assim desde o princípio.

O nosso lema é servir, e ensinar os pequeninos a servir, amando. Tudo em boa ordem. Como Jesus que, antes de lavar os pés aos seus discípulos, colocou a toalha à cintura.

O Povo acredita no nosso serviço. «A voz do Povo é voz de Deus». E este nosso serviço está voltado para aqueles que ninguém quer servir: «Os Pobres mais caídos e mais abandonados. O Rapaz da rua, o Doente incurável, a Família em desagregação». Dar pão a quem o não tem; casa a quem ela lhe falta; e uma família a quem a não tem ou não pode ter.

Padre Júlio