DA NOSSA VIDA

A nossa Isabel, do Calvário, continua inconsolável. Como ela, também nós e tantos, senão todos, os nossos Amigos, pela retirada dos vinte e cinco doentes do Calvário, através daquela desumana e desrespeitadora atitude de quem quer comandar a vida dos Pobres, sem a conhecer.


Venho prometendo à Isabel que no Natal terá de volta ao Calvário todos eles. Estamos a fazer o que nos parece melhor para que todos voltem a festejar esse acontecimento renovador da vida humana, que é o Nascimento de Jesus, todos juntos. Eles, porque Pobres, vivem-no na forma mais singela e simples, tão próxima da realidade que se celebra, de Deus que nasce Pobre por amor dos Pobres. É a Família nova e modelar que se constitui no Presépio de Belém, para renovar e traçar um novo rumo para a humanidade, como apelo e última Palavra para todos, até ao fim dos tempos. Fora deste convívio e partilha de vida, não há modo de Deus repescar para Si o homem perdido no vazio e solidão.

A Isabel não quer estar só, quer consigo todos os outros que nos foram levados. Ficou ela mais três mulheres, para além de todo o grupo dos Rapazes da Casa do Gaiato de Beire, que com elas confinam, e ainda dois homens que já foram inteiramente autónomos mas agora padecem de algumas maleitas que, ainda assim, não lhes retiraram toda a autonomia.

Há dias, uma das que ficaram, a Fátima, confundiu uma senhora que veio participar na nossa Eucaristia dominical com uma das intervenientes na retirada dos nossos doentes. Olhou-a fixamente durante a Celebração e, no final foi-lhe dizer: «Anda lá, vai buscar as outras. Já temos saudades...». Não a largava insistindo: «Anda lá, vai buscá-las...»

No Calvário há vida e interesse pela vida, mas também uma clara consciência dos limites humanos e da finitude desta passagem terrena, limitada no tempo. Apesar disso, não se cai no vazio de uma vida sem sentido, antes pelo contrário, tudo o que se vive e partilha é consolo e fonte de ânimo para o mútuo serviço em comunidade. Todos são irmãos. Todos são iguais.

Por isto mesmo, que também se vive nas Casas do Gaiato, causa-me estranheza que haja quem pense ser retrógrada ou anacrónica esta maneira de viver. Só o poderei entender nesse sentido, pelo facto de nossa vida nos fazer recuar necessariamente um pouco mais de dois séculos no tempo, fazendo-nos chegar ao núcleo de humanidade que é o Presépio de Belém, a essas três Pessoas que o olhar dos importantes deste mundo é incapaz de ver e compreender, cujos corações batendo em uníssono as irmanavam como se fossem um só. Não foi em vão que Pai Américo disse que o verdadeiro progresso humano só acontece quando se regressa a Nazaré, esta Nazaré que é uma Família nascida plenamente em Belém de Judá.

Nós queremos este regresso. Por isso, estamos confiantes que também os nossos doentes, que sofrem as dores da separação e do agravamento do seu estado de saúde, regressarão em breve para o lugar que é seu, a Casa onde querem viver. As saudades da Fátima são um grito que brada aos Céus, que encontrarão satisfação, ou Deus não escutaria o clamor dos Pobres. O homem põe mas Deus dispõe.

Padre Júlio