DA NOSSA VIDA

Humildade

Há dias, um dos nossos mais pequenos (do grupo dos «Batatinhas») disse-me à queima-roupa que não era justo os mais pequenos não terem telemóvel. A resposta que lhe dei, em termos comparativos, não terá sido muito convincente, embora puxando à realidade. É por aqui, pelas situações que eles conhecem, que podem destrinçar o que é ou não justo.

Sempre foi para mim causa de admiração a perspicácia com que Pai Américo lia a realidade, a fineza com que o seu olhar separava o justo do injusto, para além da coragem com que o trazia à vista de todos. A sua cultura era considerável, mas esta sua capacidade vinha-lhe de outra fonte: a humildade.

O humilde é capaz de apreciar as coisas sem juízos prévios ou preconceituosos, ele vê as coisas tal como elas são. Ele não é afectado pela posição, valor ou sinais exteriores do que observa. O humilde nada favorece ou desfavorece. A lição da história mostra-nos que os humildes a influenciam para o bem de todos.

O humilde tem a capacidade para se conformar com qualquer que seja o desfecho dos acontecimentos, agradáveis ou desagradáveis. Ainda que seja violento esse desfecho, ele é capaz de o suplantar integrando-o com a sua probabilidade de ocorrer na normalidade da vida.

Nunca como hoje se manifesta a carência desta virtude na vida das pessoas. Cioso da sua segurança e das suas potencialidades, o homem de hoje não tem em si as defesas que a humildade confere. Tornou-se banal o recurso a acompanhamento psicológico perante um acidente grave, um atentado terrorista, uma grave aflição ou até perante a infalível morte. No confronto com a realidade só é aceite aquilo que favorece, o que corresponde aos desejos e anseios de cada um. Quando não, é injusto, algo que não pode fazer parte da realidade que se constrói.

Também o nosso pequeno sente que tudo o que existe deve estar disponível para ele. Sem ter consciência das implicações que comporta ter um telemóvel, ele sente-se no direito de o ter, mesmo sem pensar que alguém teria de lho dar, pois por si só não o poderia obter licitamente. Eu chamaria a isto falta de humildade, ou seja, uma visão desadequada da realidade. E, infelizmente, isto não é só coisa de crianças.

Esta superficialidade tão vulgar nos dias de hoje, tem graves consequências, que terminam no estatelar-se no chão. Por razões similares Pai Américo fazia frequentes avisos a si mesmo e aos outros, dos perigos em que anda quem se sente seguro lá no alto e por lá fica, e contrariava esta ilusão com o realismo do eu sou pó, eu sou lama, eu não valho nada... embora valendo.

Pela visão esclarecida «vendo tudo ao contrário», Pai Américo obteve a percepção da verdade das coisas, escondida à superficialidade, pelo único caminho por que se lá chega - a humildade, e por isso insistia, afirmando que «sem humildade nada».

Pe. Júlio