Da Nossa Vida
Pecados
Acima de tudo, sensibiliza-nos o grande sofrimento a que foram submetidas as pessoas directamente envolvidas pelo fogo e pelos seus efeitos colaterais. A nossa percepção vê martírio no seu sofrimento e imoralidade nas causas que lhe deram origem.
A dor humana, sempre experimentada, não tem outra causa senão a imoralidade de uns que a provoca noutros ou em si mesmos. Esta imoralidade, em sentido lato, pode surgir da cegueira, mais ou menos consciente, do olhar humano sobre a realidade, turvado pelas "traves e argueiros" nele atravessados. É a cegueira que condena inocentes, como o trabalhador humilde e incansável de uma vida inteira, dedicada e vivida no meio dos simples e inocentes, com uma vida singela como a deles, despreocupada em criar defesas como prevenção para os passos dados. Lembro-me, a propósito, do nosso padre Baptista, vítima da imoralidade de um sistema, também ele turvado pelas suas "traves e argueiros" que lhe desfocam o olhar e lhe impedem ter uma visão clara da realidade.
Em sentido restrito, a imoralidade anonimamente cometida sobre estes mártires do fogo devorador, letal ou só em parte, causada por um arrogante egoísmo devorador de bens, prazeres, poderes e direitos, completamente cego perante os abandonados à sua sorte.
Há dias, ouvi dizer que os portugueses consomem mais do dobro do que lhes pertence do seu quinhão dos bens da terra. Outros povos, muito mais. Outros ainda, muito menos, quase nada, por isso morrem à fome. Para quando um rebate de consciência, a dar-nos o sentido do equilíbrio das coisas, o desejo da equidade, o querer (muito mais do que com campanhas de solidariedade, cantadas ou não) o bem comum sem qualquer sofreguidão provocada pelo egoísmo?
As chamadas tragédias, calamidades, desastres, anulam-se com uma consciência moral, bem formada, em todos os membros da sociedade. Ela desperta-nos para o bem de todos, para o desejo de paz e de uma vida digna sem marginalizados.
O canto
de Francisco de Assis o proclama, irrompido do seu mergulho na vida dos
elementos do mundo, sintonizado com eles. Francisco não anula ou repudia
qualquer um deles, antes os situa nos seus limites vitais, onde são apreciados
e queridos. E o homem também tem, deve ter, os seus limites vitais, para ser
bem-aventurado.
Padre Júlio