DA NOSSA VIDA
Por estes dias, há 70 anos, mais precisamente no dia 27 de Junho de 1947, encontrou-se Pai Américo casualmente, (o itálico é dele), na Basílica da Estrela, com o Cardeal Cerejeira, que lhe disse ter necessidade de lhe falar.
Tratava-se de lhe propor a fundação da Casa do Gaiato de Lisboa, na quinta da Mitra, no concelho de Loures. «O senhor D. João Campos Neves mais eu fomos a Santo Antão do Tojal ver... Andámos por ali um ror de tempo. Era um palácio arruinado. Era uma igreja arruinada. Um monte de ruínas me ofereciam... Encontrava-me desanimado interiormente... e disse que sem falar com Padre Adriano, nada resolvia.»
Era conhecedor do meio humano de Lisboa, dos rapazes perdidos nas ruas da capital: «As nossas Casas do Gaiato do Porto e de Coimbra estavam cheias de rapazes abandonados. Mais e pior: todos os dias éramos obrigados a dizer que não a quem nos procurava...»
«Um mês depois, podiam ser vistas duas figuras de preto naquelas ruínas que foram outrora opulência... Regressamos a Lisboa. Pedimos a bênção a Sua Eminência o Cardeal Cerejeira e seguimos para o norte: binos...»
Aquele dia 27, «naquele ano calhou ser o dia do Coração de Jesus». As ruínas, apesar de nada aliciantes aos desejos naturais do ser humano, podem ser transformadas e recuperarem do que parecia perdido. Assim sucedeu, de facto, tal como com as outras Casas do Gaiato, a começar em Miranda do Corvo e acabando no Calvário, que do nada se fizeram.
Dessas ruínas surgiram obras consistentes, que transformaram a ruína esperada de tantos rapazes e pobres em vidas bonitas e normalmente felizes. «Pois cá estamos. Mais caras novas. Caras lavadas que andavam sujas pelas ruas. Uma destas era o terror nas vielas de Lisboa, no dizer de quem se interessou. Todas as Casas de Assistência lhe fecharam a porta, com medo. É faiscante, simpático, rasgado. Tomou logo posição de comando. Hoje, quando passava eu pelas camaratas, manhãzinha, ouvi-o dar leis! É ajudante do cozinheiro. Falei-lhe. Tornei a falar. - Então quando foges? O detestado levanta os olhos do serviço e exclama: "Nunca!"...»
Esta Casa, completaria agora 70 anos de fundação se tivesse permanecido unida à Obra que lhe deu origem. Foi em 2006 que dela foi desligada. «O homem põe e Deus dispõe». As ruínas sobre as quais assentou a construção desta Casa foram as mesmas sobre as quais assentaram as outras Casas do Gaiato. Então?... «O Governo deu-nos a quinta do Tojal a título precário. Está bem. Precário é o próprio Governo. Precários são os homens. Precário é o mundo. Mas aquela Restituição, não; não senhor. Quem trabalhar, quem auxiliar, quem se consumir por ela não é precário.»