CONFERÊNCIA DE PAÇO DE SOUSA
Novas formas de Pobreza
Há dias passou por cá, a pedir uma casa, uma pessoa que viveu por aqui alguns anos e que depois se foi para uma vida em que esteve na condição de "sem abrigo". Actualmente, essa pessoa é acompanhada e apoiada pela rede de organizações que, no Porto, cuidam das pessoas nesta situação. Por isso, tem por lá casa, algum rendimento obtido honestamente, bem como oportunidades de participação num conjunto de actividades que lhe permitem conviver sadiamente com outras pessoas e utilizar bem algumas competências interessantes que tem. Retirá-la dessa rede de apoio pode ser um erro, mas a ver vamos.
Falo aqui desta pessoa não só porque é mais um caso que temos para ponderar nos próximos tempos, mas também porque é pretexto para o assunto principal que queremos trazer para esta crónica. Uma boa parte das situações de "pobreza" que vamos encontrando nos dias de hoje começam, não na miséria económica, mas em roturas profundas na vida das pessoas que depois as podem levar à miséria económica. Podem ser situações de divórcio, violência doméstica e demais conflitos familiares insanáveis, outros géneros de conflitos interpessoais que podem acontecer na vida pessoal, ou profissional, desemprego, etc.
Nuns casos estas roturas degeneram em situações de "pessoas sem abrigo" como a que atrás referimos, mas há um grande número que tem por resultado as pessoas afectadas entrarem em atitudes de revolta contra tudo e contra todos. Há dias, soubemos de uma rapariga que teve uma infância massacrada com problemas de violência doméstica entre os seus pais. Agora, já adulta, vive só e a lutar pela sua subsistência. O problema é que faz isso como se houvesse apenas essa luta pela "sua" subsistência, sem espaço mental para reais actos de partilha com outros, embora virtualmente vá "partilhando" muito no Facebook. Pior ainda, essa rapariga despeja, agora, sobre outras pessoas toda a revolta que lhe vem dos traumas da sua infância, incluindo sobre pessoas que a tentaram ajudar.
Passando a outro nível, bem mais trágico, vamos sabendo pelas notícias que grande parte dos jovens que cometem os atentados horríveis organizados pelo fundamentalismo islâmico têm histórias de vida do género que atrás referi.
Ora, infelizmente, o mundo de hoje é cada vez mais propício a que aconteçam roturas traumáticas nas vidas das pessoas: divórcios, conflitos familiares, desemprego, competição destrutiva, etc. Não há semana que passe em que não encontremos pelo caminho, pelo menos, uma pessoa conhecida que esteja a passar por este tipo de situações. Por isso, nos dias de hoje, cada vez mais os caminhos por onde a "pobreza" se vai encontrando são estes das vidas pessoais que entram em colapso porque as relações humanas se romperam gravemente. A ajuda material, às vezes, tem aqui o seu lugar, mas bem sabemos que vale de muito pouco. Infelizmente, também sabemos que, a maior parte das vezes, pouco mais podemos fazer do que ser um ombro amigo no qual pessoas nessas situações podem repousar um pouco, caso elas nos deixem sê-lo. Ainda, infelizmente, também sabemos que nos pode acontecer, como no caso da rapariga atrás referida, que estas pessoas a quem assim ajudamos, virem, depois, despejar para cima de nós a revolta que sentem contra tudo e contra todos. Que havemos de fazer? Perdoar e continuar a ajudar no que estiver ao nosso alcance.