CONFERÊNCIA DE PAÇO DE SOUSA

Construir comunidades humanas

Apareceu-nos há dias uma pessoa que viveu por cá a sua infância e juventude. Depois partiu para uma vida que foi muito difícil onde passou por situações de quase escravatura e de pessoa sem abrigo. Teve ajuda para sair delas e continua a ter ajuda para o seu processo de reinserção social na localidade onde agora vive.

     Apesar desse apoio que está a ter e que por cá dificilmente lhe poderá ser proporcionado nas várias áreas que o compõem, veio-nos pedir para lhe arranjarmos uma casa por cá. As redes de sociabilidade que tinha quando cá viveu já quase não existem. No sítio onde agora vive tem outras que estão a ser uma boa ajuda para ele. Conversando com quem lida com ele nessas redes, dizem-me que ele fala sempre muito dos tempos que por cá viveu, mesmo que eles também não tenham sido sempre fáceis.

    Lembramo-nos deste e doutros casos numa iniciativa que organizamos sobre a importância que precisa de ser dada às comunidades humanas no combate aos problemas sociais. As comunidades humanas não são lugares idílicos de fraternidade. É nelas que os problemas sociais existem em toda a sua dureza e, por isso, também é nelas, para elas e por elas que esses problemas devem ser combatidos. Esse combate não deve ser feito à distância, ou através de incursões rápidas nessas comunidades de "técnicos" vindos de fora, sentados em cima dos seus saberes que vão "salvar" as comunidades da má situação em que se encontram. Esse combate deve ser feito vivendo nas comunidades, com todos os seus problemas, e contribuindo, todos os dias, com a nossa acção de partilha solidária, para que sejam cada vez mais comunidade. O trabalho vicentino deve ser assim.

    Nem sempre temos bem a noção da relevância que as comunidades humanas têm. Vendo algumas de fora e não do ponto de vista de quem a elas pertence, parece-nos que são espaços donde é melhor sair. Não somos só nós cidadãos que assim pensamos e agimos. Os poderes públicos também agem muitas vezes assim na forma como lidam com os problemas sociais. É mais fácil retirar uma criança, um jovem, ou uma família da comunidade onde vivem do que trabalhar com essa comunidade para combater os problemas sociais que a afectam. Quem decide à distância não conhece nada e, muitas vezes, nem sequer se preocupa em conhecer esses laços comunitários e a sua relevância. Quando assim é anda-se para trás e não para a frente em termos de combate aos problemas sociais. Que Deus nos ajude a não sermos assim no nosso trabalho vicentino, ou noutro que seja em prol de uma sociedade onde possa haver mais Amor ao Próximo!

Américo Mendes