CONFERÊNCIA DE PAÇO DE SOUSA
«Tem que escrever sobre as prisões!»
A lição essencial que aprendi com essa experiência foi a de que nunca deveremos desistir do ser humano. Seja recluso, ou não seja, seja doente, mesmo incurável, ou não seja, seja idoso, ou seja jovem, seja muito letrado, ou não seja, todo o ser humano é um humano, com direito à dignidade dessa condição e sempre capaz de fazer alguma coisa de útil para os outros e para si próprio.
Mais especificamente, no caso das prisões, estes estabelecimentos não estão organizados de maneira a que as pessoas que lá vão parar possam realizar actividades que lhes permitam saber que têm capacidades para fazer muito de bom para os outros e para si próprios. Por mais difícil que seja mudar esta situação, deveria haver um empenho nesse sentido muitíssimo maior do que aquele que tem existido por parte da Igreja a que pertencemos.
Estas situações de haver seres humanos de quem o resto da sociedade "desiste" e de quem pouca gente cuida não acontecem só com os reclusos. Há muito mais situações deste tipo, havendo uma tendência para o seu aumento na sociedade em que vivemos.
Nas escolas há um grupo considerável de alunos aos quais alguns responsáveis dessas instituições chamam "não alunos" porque o sistema de ensino existente não consegue revelar e valorizar as capacidades que eles têm. Por isso, reprovam, não gostam da escola e fogem dela. São raríssimas as organizações e projectos que cuidam destes "não alunos" e os fazem descobrir e valorizar as suas capacidades.
Se passarmos para a área do envelhecimento, são muitas as famílias que desistem dos seus próprios idosos!
No que toca aos problemas de saúde mental que afectam cada vez mais idosos, mas não só, e noutras áreas do que se costuma chamar a (d)eficiência, também são muitas as situações de quem "desiste" de cuidar destas pessoas.
Isto de colocar entre parênteses o "d" da palavra "deficiência" é uma coisa que aprendi de um grupo de pessoas e organizações que está a fazer um bom trabalho em parceria nesta área com o objectivo de valorizar as competências daqueles que o resto de sociedade designa por "deficientes".
O Deus no qual acreditamos, ao encarnar em Jesus Cristo que foi crucificado, até à hora da crucificação deixou-nos muitas mensagens e atitudes de não desistência de seres humanos dos quais o resto da sociedade tinha desistido. Fê-lo até à hora da sua crucificação na pessoa dos dois condenados que foram crucificados consigo.
Ser Vicentino implica não desistirmos de todos aqueles em relação aos quais o resto da sociedade já desistiu. É muito difícil fazê-lo como deve ser, mas o caminho tem que ser esse.
Américo Mendes