CALVÁRIO

A celebração do dia de Todos os Santos e do dia de Fiéis Defuntos, pela simplicidade e profundidade que colocámos nessas ocasiões, levou-me a reflectir o quão especiais são os membros do Calvário. A celebração da fé numa comunidade que se apoia e vive em comunhão diariamente é um alicerce importante de se manter e tornar visível, ainda que oculto à maioria dos olhos que nos visitam de perto ou de longe. O choro da Luísa, quando vai para a mesa do refeitório, não é mais visto como uma birra, mas uma verdadeira comunicação do seu estado recente de saúde: a comprovada existência de cálculos na vesícula. E como esse lamento provoca uma reacção de compaixão em todos os presentes. Mais o canto que rompe pela voz da D. Joaquina na sala da refeição, é uma melodia que usa, talvez como a medicação, para controlar a dor dos seus problemas oncológicos e como colhe de surpresa alguma visita não preparada para este concerto. E o constante vai e vem da Ernestina para a sala de convívio, sinal da sua iniciativa constante em se moldar à realidade de cada dia, sobretudo nas ausências de alguns membros ou colaboradores. No início todos diziam, senta, não vás ainda, fica! Agora limitamo-nos a apreciar esse trânsito ininterrupto. Ou a chegada e partida do Valdemar à mesa, com toda a ementa diante do seu olhar autista e seguro do que precisa. Sinal de integração difícil, mas possível graças à generosidade de colaboradores e voluntários atentos aos gestos de amor capazes de humanização. Finalmente, o dobrar da campainha para o final das refeições, habitualmente confiado ao Padre Telmo, recorda-nos por quem os sinos dobram, como escrevia Hemingway, eles dobram por nós. Dobram perante a nossa debilidade, perante o nosso trabalho, perante o acolhimento que queremos fazer a todos, perante o carisma fundador do Padre Américo e a dedicação do Padre Baptista na construção do Calvário. Convém não esquecer que devemos dobrar o nosso orgulho perante aqueles que nos precederam no espírito da Obra, como sentíamos dever e obrigação quando visitámos, no Calvário de Beire, o Campo Santo, onde repousam tantas histórias, tantas dores, tantas graças.

Padre José Alfredo